Quando sopra o minuano

Quando sopra o minuano, é bom que se esteja com o coração leve, junto à pessoa amada. Porque, se ao vento frio e à chuva fina se junta a saudade...

Saio do Belas Artes e sigo para o Shopping Cachoeiro. São duas da tarde. Ando apressado, como se fora um paulistano. A meio caminho, encontro um velho amigo e puxamos logo o assunto preferido dos cachoeirenses no mês de janeiro:

– Que calor, hein!?

– Pois é. E esse fim de semana que não chega...

Falamos do que fizemos nos últimos anos e ele se surpreende:

– Você esteve no sul e quis voltar pr’esse inferno?

– É que não suporto frio.

– Pois eu queria morar lá.

Não queira, meu amigo, não queira. Aquele frio é bom para turista, para se passar um final de semana em Gramado ou Canela com uma namorada nova; mas vá viver lá, especialmente no mês de julho, quando o minuano é mais perverso...

Esse vento tão famoso, que causa medo em quem não o conhece, e pavor em quem já o sentiu, é o vento polar, frio e seco, que chega pelos pampas, sobe o planalto médio, desliza pelos aparados da serra e despenca no mar. No seu trajeto não causa nenhum dano material, a não ser esvaziar as cidades. É até bonito vê-lo balançando o trigal.

No homem, especialmente em mim, o efeito era devastador: endurecia e fazia rusgas nas pontas dos dedos, expondo o tecido epitelial entre cutículas e unhas; ardia o nariz; e gelava o ar dentro do peito.

E quando a gente não o sente na pele, nem o vê varrendo ruas, ele se anuncia nos prédios, nos fios de energia, nas portas e janelas, num misto de assovio e gritos de pavor. Parece que traz consigo fantasmas de um passado longínquo, das sangrentas e até hoje mal resolvidas lutas entre chimangos e maragatos.

Pior que o minuano, em si, é quando ele vem acompanhado de chuva fina, que corta o coração feito faca cega. É o temido mês de julho.

Saindo pelas manhãs, pés molhados e cabeça baixa, eu me defendia apertando o passo nas esquinas em que ele soprava encanado. E voltava correndo, à procura da lareira, do pala de lã grossa, do mate amargo e do vinho. Não havia voz amiga nem braços calorosos a me esperar. E isso gela o coração mais empedernido pelas lidas que já possa ter existido.

“E esse frio todo, não serve pra nada?”, quis saber meu amigo, já meio desanimado.

Sei lá. Serve para peras, uvas, maçãs e ovelhas. E serve para o turista. Para um buraramense friorento, não serviu para nada. Minto. Eu descobri nele algumas pequenas utilidades: podia ir à despensa e pegar a cerveja gelada na caixa; deixar a jarra d’água em cima da mesa e a geladeira, sempre fechada; ou podia abrir a geladeira, quando estava muito frio, e sentir o ar quentinho que ela exalava – e pensar no calorzinho gostoso de Cachoeiro.

Quando a saudade apertava demais, restava-me tomar de meu Pingo (foi como batizei meu carro) e galopar velozmente por aqueles Campos de Cima da Serra, som alto, vidro aberto, vento gelado na cara...

Quando sopra o minuano, é bom que se esteja com o coração leve, junto à pessoa amada. Porque, se ao vento frio e à chuva fina se junta a saudade...

Marcelo Grillo
Enviado por Marcelo Grillo em 25/06/2008
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