SEU JOSÉ: A BUSCA DO TESOURO

          Talvez a viagem em busca do tesouro seja uma viagem ao passado. Desde pequena minha busca religiosa foi forte. A mim, me parece inerente, mas posso ter sido influenciada em tenra idade. Outro fato é que sempre fui exposta às mais diferentes
raças culturas e religiões, também desde pequena. Não me veio imposta por meus pais, a religião que segui. É estranho dizê-lo, mas foi aquela que estava ao meu alcance. Como essa era uma busca minha e os meus pais não mandavam fazer isso ou aquilo, eu comecei a freqüentar a igreja (lá pelos seis anos...) que ficava perto de casa, à qual eu podia ir sozinha, caminhando, ou com minha irmã e meus primos. E essa era uma igreja católica. O que me importava era que eu ia à igreja, e não a qual igreja eu ia.

          O primeiro contato direto com uma pessoa de outra religião foi por volta dos oito anos, talvez pouco menos. Íamos morar num lugar mais perto da escola (singular, mesmo), porque no meu bairro antigo (um bocado!) passava boiada, a caminho da via férrea.
Meu pai, certo dia, disse que o pedreiro iria começar o trabalho. Era um homem apenas para construir uma casa. Nos finais de semana meu pai ia ajudá-lo. Estávamos morando com minha avó, não longe dali, até que a casa ficasse pronta, justamente por causa da escola. Como já fazíamos anteriormente, na época de preparação do terreno, íamos, minha irmã e eu levar um café, água, um lanche à tarde. Então eu conheci o seu José, um húngaro, ruivo, com olhos azuis, simpático, atencioso e paternal, média estatura, que trabalhava com disciplina, sempre bem arrumado, continuadamente, mas sem se esfalfar (eu diria hoje, com enorme dignidade e comprometimento com o que fazia).

          Estava sempre sereno, conversava com meu pai sobre os assuntos da construção, mas conversava conosco também... Hoje essa lembrança retornou subitamente, mas há lapsos nas lembranças, embora o que relato seja de extrema precisão e nitidez. Então veio a novidade: ele não trabalhava aos sábados, mas trabalhava aos domingos e quando eu quis saber por que, ele explicou que era adventista do sétimo dia. Disse que acompanhava o que estava escrito na Bíblia, e que o dia a ser guardado era o sábado. Meu pai havia concordado com ele então o dia de ir levar o lanche era o domingo. Mas havia algo mais. Ele não tomava café, apenas chá, porque o café era um estimulante...
Será que eu sabia o que era estimulante? Talvez não, mas levávamos dois bules, um com café e outro com chá, para seu José. As lembranças das conversas são vagas, mas lembro que, sem nenhum exagero, sem proselitismo, ele falava das coisas em que acreditava, falava sobre a alimentação e o que ela faz com nosso organismo e como isso atrapalha a nossa (hoje eu nomeio) alma. Não lembro o nome que ele usava. E eu era aberta para ouvi-lo. Outros contatos vieram: amiguinhas da mesma rua que eram batistas, uma vizinha que era testemunha de Jeová, uma tia de meu pai que era espírita, outras pessoas e crenças com que estive mais em contato, mas possivelmente não marcaram tanto. Hoje tenho duas grandes amigas que são evangélicas. Ninguém me converteu, eu continuei no que era.

          Já no final da adolescência, quase adulta, um orientador, um padre jovem, diante de questões que lhe apresentava, colocou-me em contato com a obra de Teilhard de Chardin, um teólogo que falava sobre a parusia do mundo e sobre a segunda vinda do Cristo, unindo sua visão de cientista e sua visão religiosa. Não tive nenhuma dificuldade em acreditar no que ele dizia. Na verdade o que ele dizia me apaziguou, porque alguém havia plantado em mim a semente da crença no Advento.

          Voltando ao presente, creio que o tesouro que existe dentro de mim é a minha abertura (talvez meu ecumenismo) e a minha fé. È isso que me enriquece.