O poder do sangue de Jesus

Gato escaldado tem medo de água fria. Eu não dou dinheiro a pedintes, não compro nada oferecido nos sinais nem pago flanelinhas pra vigiar meu veículo.

Eu já paguei por medicamentos pra quem não está doente, já dei dinheiro para desportistas que perderam meu suado dinheirinho em jogo de cartas, já contribuí com viagens culturais que foram transformadas em farra com churrasco e cerveja, já paguei por mausoléu pra quem não tava morto, já ajudei um falso padre a comprar drogas para seu consumo dizendo que arrecadava dinheiro para auxiliar viciados, já paguei contas de água pra quem não tem água encanada...

Em Boa Vista, conheço pelo menos duas pessoas que vivem desavergonhadamente da mendicância: uma mulherzinha que faz ponto pelas casas lotéricas e um pinguço que reabre diariamente sua ferida pustulenta acima do umbigo e, no sinal do cruzamento das avenidas Getúlio Vargas e Silvio Botelho, toma dinheiro dos motoristas desavisados.

Ontem, a manchete trazida por um jornal local veio comprovar que eu tenho razão: “Homem que se passava por deficiente físico foge da Guarda Municipal”. Lembrei-me do caso de Gervásio, um vigarista que abandonou os golpes aplicados em incautos e, depois de capitalizar atuando como surdo-mudo, comprou uma cadeira de rodas e passou a viver da caridade alheia: afinal, um paraplégico rende mais do que um mouco. Domingo, praça lotada, e lá estava Gervásio, mais torto do que galho de caimbé, pilotando sua cadeira Gazela e recebendo moedas dos passantes. Ali perto, dezenas de pessoas ouviam as pregações de pastor Eriberto.

Demóstenes, há alguns anos, tinha sido vítima de um um-sete-um e nutria ódio e sede de vingança pelo prestidigitador. Ao ver o pedinte na cadeira de rodas, acercou-se e não teve dúvidas: aquele era o homem que havia lhe tomado uns trocados. A vítima não pensou duas vezes e avisou a patrulha que trabalhava para manter a segurança da pracinha.

Gervásio, ao ver a aproximação de Demóstenes com os homens da cana, colocou a féria no bolso do surrado paletó, jogou o cobertor que usava para cobrir as pernas sadias e, apressadamente, montou na primeira bicicleta que encontrou. O pedinte desapareceu pelas ruas estreitas do bairro na magrela recém adquirida.

Pastor Eriberto, sem saber o que se passava, ao ver o falso aleijado correr, apontou em sua direção e, em êxtase, gritou repetidamente para os seus fiéis:

- Milagre! Milagre!!! Vocês estão vendo? O sangue de Jesus tem poder....!

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