Dos despudores de Leonardo...

Quando Leonardo veio, me pareceu brisa.. leve, aconchegante, duvidoso. Não sabia se depois viria chuva ou calor... Sabia que viria. E veio. Mas veio como num furacão, que me tirou toda a chance de ao menos conjecturar sua presença. Veio avalassando tudo: como se a minha vida fosse complemento de suas idealizações infantis. Me tirou a roupa e toda e qualquer outra coisa que quisesse de mim: sua súdita.

Em pouquíssimo tempo já estava apaixonada. Suspeito que já o estivesse antes mesmo de ele me abraçar, sugerindo que dali não passaria. Sem órbita, sem fôlego e sem pudores, nem tive tempo de analisar os impactos daquele homem na minha vida. Especialmente porque ele era casado. Sim, C-A-S-A-D-O..., com todas as letras. Talvez fosse isso o mais interessante: a aventura, aquela imagem que se tem de amante, taõ comercialmente construída pela tv e destruída pelas esposas... Aquela que pode ser puta, anjo ou fada dos desejos. E eu era este ser mágico que transformaria sua vida em algo esplêndido.. também etéreo.

Leonardo me via como a esposa que ele queria ter: voraz, devastadora e ao mesmo tempo calmante. Passávamos horas frívolas falando se sexo, óleos e anseios. Passávamos horas brincando de ser nós mesmos, e avaliando o quanto nas ruas seríamos chicoteados se alguém nos [re]conhecesse de verdade. Éramos perfeitos idiotas e ele parecia estar apaixonado. Mas nunca dizia.

Eu, ao contrário, era sempre enfática. Nos diálogos, nos gestos e nos sentimentos. Não o dava a mínima dúvida de que era adorado - mais ainda - endeusado por minha insanidade. Sentia-o como MEU, de forma que na minha cabeça, a amante era ela. Sempre ela. E isso me incomodava.

Uma coisa é ser a amante, a mulher segura de si, que satisfaz o bofe. OUtra coisa mesmo é ser a perua com quem ele dorme todas as noites, pensando na outra. E eu me sentia as duas coisas. de um lado: a perua desarrumada com quem ele dorme sempre na pressa, porque precisa sair de madrugada pra bater o ponto. De outro, a sanguinolenta e voraz mulher gato, que o fazia perder a órbita e a sanidade. Crise de identidade?

Leonardo me comia como quem come um prato quente; no vapor da língua queimando e saciando o prazer. Leonardo me comia como quem come algo que sacia temporariamente.. mas logo vem outra fome e outra vontade melhor.

E assim veio... do mesmo jeito insano com que me tratava antevi sua despedida; foi num dia geograficamente desfavorável. Ela estava longe, mas apesar disso, leonardo estava já, há tanto tempo, de mim mais distante ainda. Trazia na carteira a foto da mulher e na cabeça o desejo de ter um filho. Mas homem vai lá, um dia, querer filho com a amante? Disso eu não estava convicta.

Contei, então, de sobressalto, que a aventura resultara num rebento. Foi como se o atirasse precipício abaixo. Nem sequer me respondeu, quis, em pessoa, me atirar do céu em que me localizava. E quando me viu, disse que eu era puta, bandida, destruidora de lares... Me enxotou da sua vida, sonhos e tardes de prazer. Ela nunca soube, mas um dia recebeu a foto do meu filho escrito: veja com quem parece este menino....