Para todos, Sol!

Vendo o dia amanhecer, o mundo parece inocente. Enquanto o raio de um sol modesto se atreve a tocar o ombro de um hirto prédio cinza, as calçadas se proclamam inofensivas.

No silêncio pé-ante-pé do sol, a cidade garante que não é o inferno e aquele raio de sol omite, sem parecer desonesto, que virá a ser um calor de rachar, ou que chamará uma tempestade para infiltrar invasiva qualquer construção mais cinza.

Quase me compadeço da hesitação do sol em nascer. Ele ameaça recuar por vezes, já que sabe que não adiantará abraçar o mundo de lado, como se abraça a namorada para uma caminhada de paz; não adianta passar seu braço morno em volta do edifício - com o mundo, nada seria tão leve e capaz de tanta ternura. É necessário abraçá-lo de frente, forte e lentamente como a uma mulher que, exausta, pede o divórcio; é preciso consolá-lo com força quando for meio dia.

O sol terá de ser ardido para suportar o homem que pula do prédio e o cão que morre na calçada. O homem que vive na calçada; o cão, que no apartamento.

Amanhecendo, o dia é brando como se fosse imatéria e traz em si mesmo a metáfora de que se trata: a esperança de não ser o que será. O dia nasce como rezasse.

O sol abraçará o mundo enquanto tudo, enquanto os homens se suicidam e dão de beber inseticida a insetos; enquanto uma brasa vira incêndio e o sol querendo ser chuva; enquanto é dado um nó na gravata e um na garganta, enquanto desabrocha uma flor; enquanto os cigarros se desmancham em cinzas e se erguem edifícios; enquanto os pais matam seus filhos e algumas crianças ainda sorriem; enquanto banqueiros operam seus lucros e mendigos põem flores nos próprios sepulcros. Por isso arde, desculpem-no. Arde tudo o que se proponha incondicional.

E até quando os operários se despedem de sua jornada, entra na fila o sol para bater o ponto e ir ao Oriente mudar de filhos. Se fazendo, outra vez, de ingênuo vai abraçar qualquer edifício no Japão sem amenizar tremor nenhum e, se chover, é que o sol finalmente se acovardou e está sem estômago pra abraçar toda a presepada. A chuva também não vai regar nada, mas teremos de desculpá-los: ninguém é obrigado a nos assistir.