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Depois de horas e horas debaixo de um sol causticante na estrada, num engarrafamento infernal, o casal, enfim, estava próximo ao seu destino... Ou epelo menos parecia estar... (o problema era que, esse parecer, parecia ser eterno)...
 
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_ Preciso comer algo, senão tenho um treco – reclamava a mulher, de meia em meia hora.
_ Tenha paciência, meu bem, já está chegando – o marido tentava acalmá-la.
_ Preciso de água também, estou morrendo – choramingava a mulher.
_ Calma, assim que avistar um posto, eu paro...
 
Avistaram o posto. Não havia água.
 
_ Como não há água? – escandalizou-se a mulher.
_ Acabou tudo ontem – explicou-lhe o vendedor.
_ Sim, acabou ontem e não providenciaram mais? Que raio de lanchonete é essa?
_ Não é lanchonete, minha senhora, é posto.
_ Sim, mas todo posto vende água.
_ A gente também vende.
_ Então me traga uma garrafa de água.
_ Acabou tudo ontem.
 
Mulher em pânico.
 
_ Meu Deus! Vou morrer!
_ Só tem “Fresh” – disse o vendedor.
“Fresh” era o nome da bebida que “funcionava como água”, segundo o vendedor.
 
Compraram a tal Fresh...
 
_ Preciso de algo salgado também, minha pressão tá baixa. – falou, sufocada, a mulher.
_ Tem o quê de lanche aqui? – perguntou o marido.
_ Não vendemos lanche, senhor – respondeu-lhe, pacientemente, o vendedor.
_ Meu Deus!! – gritou a mulher – Não vende água, nem lanche! Serve pra que esse lugar aqui?
_ Pra abastecer os carros, minha senhora. E vendemos água sim.
_ Vendem. Vendem tanto que não vejo uma garrafa.
_ Exatamente.Vendemos tudo ontem.
_ Sei.
 
Uma senhora, com toquinha branca, ar de cozinheira, apareceu de repente, vinda pela porta dos fundos. Disse que estavam saindo alguns lanches. O marido olhou para o vendedor (e este fingiu não ver, nem escutar a senhora de toquinha), e pediu um de carne.
 
_ Temos não – disse a senhora.
_ Tem de quê? – indagou o marido.
_ Só fazemos misto-quente.
 
O marido olhou para a mulher.
 
_ Traz, pelo amor de Deus. – suplicou a morta de fome e de sede, já se deixando cair numa cadeira perto do balcão.
_ Dois, por favor. – pediu o marido.
 
Comeram os lanches, beberam a tal “Fresh” e continuaram a viagem. Com aquele engarrafamento, seriam ainda mais ou menos umas oito horas de viagem pela frente, o marido calculava. A mulher entrou em pânico. A tal “Fresh” não refrescara nada. E o misto-quente não fora suficiente para fazer subir sua pressão. O marido, vendo o desespero da mulher, prometeu-lhe que iriam direto para uma churrascaria, assim que chegassem à próxima cidadezinha. Lá, comeriam carne à vontade e beberiam toda a água gelada que houvesse. A mulher tentou se controlar.
 
Três horas depois, chegaram a uma localidade. Até bonitinha. Mas nada de churrascaria. Nem restaurante. Nem padaria. Depois de rodar quase a cidade toda, com a mulher se dizendo “prestes a ter um troço a qualquer momento”, o marido avistou: “Pizzaria e Churrascaria”.
 
_ É aqui.
 
Estacionaram o carro. A mulher, com uma certa injeção de ânimo, ajeitou os cabelos, colocou o salto, entrou no estabelecimento e foi direto ao banheiro, enquanto o marido ficou fazendo os pedidos. Quando retornou, o marido ainda estava de pé.
 
_ Vamos pra outro lugar, aqui não tem churrasco – falou-lhe baixinho.
_ Não tem churrasco aqui? – esbravejou a mulher – Como???
_ Não, senhora. – respondeu-lhe calmamente a garçonete.
_ Mas na porta está escrito “Pizzaria e Churrascaria”.
_ É, mas não servimos carne não.
_ E servem o quê? Só pizza?
_ Também não.
_ Ah, que legal! Uma pizzaria e churrascaria que não vende carne nem pizza.
_ Servimos lanches em geral.
_ E quais os tipos?
_ Misto-quente.
_ E mais o quê?
_ Hoje só tá saindo misto-quente.
 
Diante do olhar fulminante da mulher, o marido tentou resolver.
 
_ A senhora pode me dizer onde servem carne aqui?
_ No restaurante.
_ E onde fica o restaurante?
_ O senhor vai prali, anda um pouco, vira praquele lado. Lá tem um restaurante que é churrascaria.
 
Foram andando até o local indicado. Não acharam restaurante, nem churrascaria. Pediram informação a um rapaz do moto táxi.
 
_ Moço, o senhor pode nos dizer onde tem uma churrascaria por aqui?
_ Rapaz! – o moço do moto táxi coçou a cabeça – Se eu disser ao senhor que todos os restaurantes daqui são churrascaria?
_ Sim?
_ É porque, veja bem... Churrascaria, churrascaria mesmo... – o moço coçou a cabeça novamente, e ficou em silêncio, olhando para o horizonte – o senhor deve tá falando “o da qual servem de rodízio”.
 
A mulher tentou explicar. Mas o marido cortou.
 
_ Tá, então me diga onde tem um restaurante bom por aqui.
_ Bom?
_ Sim, bom.
_ Bom, bom mesmo?
_ Isso, o melhor! Daqueles que servem todo tipo de carne.
_ Ah, por que não falou logo? O senhor vira aqui, anda prali, vai mais adiante. Sabe o Cabeção?
 
Não, eles não sabiam.
 
_ Então, ali no Cabeção. Vai ali que não tem erro. É a melhor churrascaria da cidade.
_ É longe? – perguntou a mulher.
_ Nada. Um pulinho.
 
A mulher respirou aliviada. Entraram no carro. Depois de muitos “pulinhos”, chegaram ao tal Cabeção. O marido sorridente.
 
_ Se não tiver carne aqui nessa churrascaria, não tem mais em lugar algum. Afinal, é a melhor da cidade.
 
A mulher concordou.
 
Estabelecimento simples, toalhinhas e vasinhos de flores em cima das mesas. A mulher achou o lugar simpático. Sentaram-se numa mesinha igualmente simpática, do lado de fora. Ninguém veio atender. O marido gesticulou. Veio uma senhora.
 
_ A senhora pode nos trazer o cardápio, por favor? – solicitou o marido.
_ Podem entrar, sirvam-se à vontade.
 
O casal se entreolhou. A senhora explicou:
 
_ É sélfisérvice!
 
“Ah! churrasco à vontade!” – pensaram, marido e mulher.
 
Entraram. Aguardaram, com impaciência quase indisfarçável, a senhora destampar as vasilhas, assadeiras, panelas ou, sabe-se lá que nome tinham aqueles recipientes de alumínio, enormes. Deliciavam-se só com o pensamento de ver aquilo tudo cheinho de costeletas assadas, fatias de picanha, cortes de maminha...
 
De repente, silêncio. A senhora acabara de destampar tudo.
 
_ As carnes estão onde? – perguntou o marido.
_ Hoje servimos carne não. Hoje é prato do dia.
 
Marido e mulher não ousaram nem se olhar. Cada um pegou seu prato, seu talher e se serviu de sarapatel, feijão e arroz. Seguiram para a mesa.
 
O marido nem perguntou o que a mulher queria beber. Foi logo pedindo refrigerante. Beberam o refrigerante. De vez em quando, a dona da “churrascaria” olhava e sorria para o casal. O casal devolvia o sorriso. Terminado o almoço, o marido pagou a conta.
A mulher seguiu para o carro.
 
_ Ainda falta muito? – ela perguntou.
_ Não, meu bem. Em mais ou menos cinco horas, chegaremos lá.
 
Cinco horas era uma eternidade.
 
_ Será que aqui vendem água? – a mulher se lembrou de sua sede.
_ Vai saber.
_ Veja lá, meu bem, por favor...
 
O marido voltou à churrascaria. Cinco minutos depois, entrou no carro. Nas mãos, duas garrafinhas cheias de água, e o melhor, geladinhas.
 
Os olhos da mulher brilharam.
 
_ Bem que o rapaz do moto táxi disse que aqui era a melhor churrascaria da cidade.
 
Agradeceu ao marido com um beijo. E os dois seguiram viagem, felizes da vida.


(Adriana Luz - 28 de junho de 2008)
Adriana Luz
Enviado por Adriana Luz em 28/06/2008
Reeditado em 28/10/2008
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