Consulta ginecológica

O Poetinha dizia que “todo amor um dia chega ao fim” e, assim, aconteceu com Ana Maria. Logo depois da festa de bodas de prata, ela descobriu que Adamastor andava caçando perereca em outros brejos e botou fim no relacionamento. Botou fim no relacionamento, mas, aos poucos começou a sentir umas quenturas invadindo suas entranhas: sexo. Após três meses de luto, Ana Maria resolveu ir à luta e buscar novos amores.

Quarenta e oito anos, balzaquiana bonita e voluptuosa, Ana Maria não encontrava dificuldades para relacionamentos relâmpago. Cuidadosa, a divorciada passou a preocupar-se ainda mais com as DSTs ou uma gravidez indesejada.

A validade do dispositivo intra-uterino instalado em Ana Maria estava prestes a vencer. Cinco anos. Ana Maria não queria voltar ao consultório de Doutor Azambuja, compadre do casal agora descasado, e seu ginecologista. Ela tinha medo de encará-lo e falar-lhe de suas atividades sexuais, pois receava que o compadre, sabendo de suas noitadas e fornicadas, a qualificasse uma desqualificada.

Conversando com Julieta, sua confidente, Aninha soube de um novo e desconhecido médico de senhoras, recém chegado à cidade: “Ele é oficial da Aeronáutica, não conhece ninguém por aqui, seu consultório fica na periferia, as consultas são muito baratas e, vantagem das vantagens: o homem é um gato”.

Pediu que a amiga marcasse consulta e, depois de aparar os pêlos pubianos, tomar demorado banho, passar cremes pelo corpo, aplicar desodorante íntimo e colocar calcinha de algodão limpa e cheirosa, seguiu para o consultório.

Serviço médico barato atrai grande clientela. Ao cabo de duas horas esperando, Aninha foi chamada para atendimento. Na sala, uma escrivaninha, uma maca, um pequeno armário hospitalar, uma cadeira para exames ginecológicos e um biombo para troca de roupas.

O médico era bonitão e sua beleza encobria o descuido com seu jaleco sujo e amarfanhado.

Após perguntas de praxe, Ana Maria disse-lhe da intenção de trocar o DIU. Doutor Adalberto informou-lhe não ter nenhum dispositivo no consultório, mas, para ganhar tempo desinstalaria a espiral usada pela paciente. Aconselhou-a passar três dias sem o aparato e que, depois de comprar uma nova unidade, voltasse na sexta-feira para a sua instalação. Calmamente, o médico mandou que a paciente trocasse suas roupas pela bata que estava dependurada no biombo e se sentasse na cadeira para que ele pudesse iniciar os procedimentos.

Ana Maria, apesar de enojada, colocou a bata que tinha sido vestida pelas pacientes anteriores, sentou-se na cadeira e, incomodada, abriu as pernas à espera do médico. Este lavou as mãos, calçou as luvas, abriu a gaveta do pequeno armário hospitalar e o barulho de instrumentos metálicos sendo remexidos invadiu os ouvidos da paciente.

O médico revirou a gaveta à procura de alguma coisa; sem obter êxito, abriu a porta e dirigiu-se à sua secretária:

- Marileusa, você sabe onde está a minha pinça?

- Não, doutor. A última vez que eu a vi, estava na gaveta do armário...

Aninha ameaçou levantar-se, trocar de roupa e fugir do consultório. Contou até dez e, como pôde, tentou relaxar. Seu olhar receoso acompanhava os movimentos do médico.

Doutor Adalberto voltou ao armário, remexeu os instrumentos mais uma vez, fechou a gaveta, coçou a cabeça, suspirou, abaixou-se, abriu a portinhola do móvel e, de lá, retirou um saco plástico cor-de-rosa com a logomarca das lojas Marisa. Ana, apavorada, assistia à seqüência. Com o conteúdo do saco sobre o tampo do armário – alicate, tesoura, fita isolante, veda rosca, pinos de tomada, pedaços de fios, pregos, parafusos -, ele remexeu todos os trecos, e, de repente, voltou-se para a impaciente paciente que suava desesperada, mas mantinha as pernas abertas, e, com um bico-de-pato na mão esquerda e uma chave americana na direita, falou:

- Não consigo encontrar a minha pinça. Minha noiva tem mania de mexer nas minhas coisas e nunca as devolve pro mesmo lugar.

Ana Maria, calada e aterrorizada, fechou as pernas, levantou-se, dirigiu-se ao biombo e, enquanto trocava de roupa, louca pra cair fora daquele pardieiro, ouviu o médico dizer:

- Vamos fazer o seguinte: volte na sexta-feira que eu vou estar preparado com pinça e tudo.

A paciente abriu a porta, cruzou-a e, antes de fechá-la, conseguiu balbuciar:

- Sexta-feira, doutor? Só se for pra pegar o meu dinheiro de volta... – Bateu a porta e sumiu.

e-mail: zepinheiro1@ibest.com.br