UM DOMINGO NA CASA DO VELHINHO

Existe um ritual que deve ser rigorosamente respeitado na casa do

Velhinho, caso você queira ter o prazer de freqüentá-la, deve

respeitá-lo.

Primeiro, a bebida é a cerveja antártica, a comida pode variar do

churrasco ao frango assado, sempre acompanhado do arroz branco e

da saladinha, os freqüentadores serão sempre muito bem vindos e bem

tratados. Os convidados são sempre auto-convidados.

Na parte da manhã, o Velhinho se desprende de sua garagem com o

seu Dojão, e sai a busca dos convivas, os primeiros são a família do

Zé Mudinho, e vai indo de casa em casa até ocupar as cento e

oitenta vagas do Dojão, depois só dá mais umas duas ou três viagens

e pronto, o farnel já pode começar a ser preparado.

Lá temos muito o que fazer, tem televisão com três mil setecentos e

oitenta e dois canais, mas que só é ligada na globo ou no canal que

esteja passando futebol. Outra forma muito legal de distração na casa

do Velhinho é tentarmos ouvir a voz das pessoas que estão falando

conosco, ou melhor ainda, tentarmos ouvir a nossa própria voz, é

muito difícil, somente os mais treinados conseguem, o grau dificultador

desse jogo são as crianças e as mulheres, elas são muito bem

treinadas, elas tem o simples papel de gritar o quanto puderem, gritar

muito, mas muito mesmo, as crianças podem dar gritos simples, mas

para as mulheres a coisa é um pouco mais sofisticada, elas tem que

fingir que estão conversando entre si, gesticulam e mexem os lábios,

não importam as palavras, o que importa é o volume. Elas são boas

mesmo, nós homens sempre perdemos nesse jogo.

Outro jogo muito legal é tentar conversar com o Zé Mudinho, o seu

vocabulário é muito seleto, ele diz várias coisas com a mesma frase,

por exemplo: “- VAMOS FAZER UM CHURRASCO?” Essa simples frase

pode querer dizer que ele quer fazer um churrasco, ou que ele quer

tomar uma cerveja, tudo vai depender do tom, tem também a

famosa “- LIPE, PAI AMA! TÁ?” Que pode dizer que ele ama o seu

descendente ou que ele está carente. Mas quando o assunto está

estafante ele faz o que melhor sabe fazer, dormir.

A mulher do Velhinho é maneira, marca duro nas crianças, se fizer mal

criação ela diz logo, “- OLHA SE CONTINUAR NÃO VAI GANHAR TRÊS

SORVETES, SÓ VAI GANHAR DOIS HEM.” É assim que tem que ser, se

não essas crianças não vão aprender. Ela é limpinha, vive varrendo a

casa, se der mole o seu pé vai junto. Seu objetivo é deixar todos

felizes, e para ela também ficar feliz, é só o Velhinho botar uma

graninha na sua mão para ela gastar com todo mundo, que fica tudo

bem.

Temos também o Seresteiro, gente muito boa, como todos lá são, o

cara só fica chatinho quando bota gasolina aditivada no seu carrinho,

daí ele passa a conhecer todas as músicas feitas e não feitas muito

melhor do que seus próprios compositores. Só tendo saco de elefante.

Na casa, temos muitas mães superprotetoras, outro dia, uma

menininha, não me lembro bem do nome dela, Ana... Ana... Sei lá, só

sei que tinha cara de banana, bem essa menininha ensaiou um espirro

na sala, sua mamãe com um ouvido melhor do que o de um

tuberculoso, sentiu o prelúdio do espirro e saiu em disparada para a

sala com um lencinho branco na mão para ajudar a filhinha a assoar o

narizinho, chegou a tempo, mas foi por um triz.

A Canetinha de Liqüipaper adora ir lá, também, com tudo na mão até

eu. Vou confessar um segredo, sou gamado nela.

Temos também o Zé Girafa, bichinho chato, isso ele é, mas é maneiro,

gente fina e companheiro, lidar com ele é como pisar num vespeiro,

qualquer coisinha diz logo: “-HUM, MAGOEI.” Outro ponto legal é que

ele é um sujeito macho, também é mau como pica-pau.

Deveriam existir outras Casas do Velhinho, em qual outro lugar

poderíamos ter mocinha de bigode, mudos que conversam, falantes

que não dizem e ainda termos um casal de velhinhos que gostassem

disso tudo, que pedem bis, que se preparam para o ritual, não ligam

para a roupa no varal, esquecem o trivial. Só quero ver quando MC

chegar, que característica terá?

Sérgio Souza
Enviado por Sérgio Souza em 06/07/2008
Código do texto: T1067819
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