Outono Eterno

Balança a pedra pendurada no poste. Minha vida me cansa, meu telefone não toca. Se eu pudesse desistir, e penso nisso toda manhã, já teria desistido. Já teria voltado para aquele lugar onde eu voava e me cansava de tudo. Onde o tempo não media relógios, e os sorrisos acompanhavam lufadas de vento.

E aquele cumprimento estranho. Aquele bom dia cansativo e mentiroso, um formalismo comedido; sinto-me parte das vidas que ignoro. Assim como bolhas de sabão, vejo as paredes da rua cansarem de flutuar e caírem por sobre os ombros cansados dos homens. Como o ócio faz falta. Todos seriam mais felizes, se tivessem mais tempo para saborear o ocre do tempo, deixar a cabeça pender para o lado.

Mas não. Todos os dias somos constipados por essa rotina obtusa que nos obriga a ser apenas mais uma cabeça de gado nas arrobas da Central do Brasil. Somos acometidos por essa necessidade de viver, esse desejo de ter, essa obrigação de ser... essa dificílima tarefa de estar.

No final das contas, acabamos por conquistar, depois dos anos vendidos, a condição de segregado: os anos nos tornam marginais. O outono nos traz gratuidades da invalidez.

E o vento balança a pedra pendurada no poste, tudo são bolhas de sabão. E nós somos apenas folhas secas de um outono eterno.

Gustavo Alvaro
Enviado por Gustavo Alvaro em 08/07/2008
Reeditado em 09/07/2008
Código do texto: T1070313
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