COM A PALAVRA XENOFONTE

CARiiSSIMOS: Este texto tem direção certa, foi escrito para o nosso jovem colega João Victor Cyrino, para quem prometi escrevê-lo. É todo seu, João.

Ah, os filósofos de Atenas... Sei não... Mas pelo andar da carruagem – que parece desgovernada – tudo indica que o oráculo do “píton” Chico Buarque, quando, usando o linguajar oficial, previu a criação do ministério do “Vai dá em m...”, irá se concretizar. E por que assim será? Naturalmente, porque faltou ao atual presidente – antes de alçar a governança – um dedo de prosa com o filósofo Sócrates.

A ilação acima advém de um relato feito por Xenofonte, que descreveu uma conversa de Sócrates com o amigo Glauco, cuja ambição era governar a sua cidade. Eis o relato de Xenofonte:

Olhos fixos no Governo da cidade, Glauco, filho de Aristão, amigo de Sócrates, que por sua vez era sabedor da sua incapacidade em tal empreitada, logrou fazê-lo renunciar a tal pretensão. Encontrou-o um dia e querendo fazer-se ouvir, reteve-o e com ele entabulou conversa da seguinte maneira:

-Glauco –disse-lhe – então pretendes governar a cidade?

-É verdade, Sócrates.

-Por Júpiter! É o mais belo projeto que se possa arquitetar. Se atingires tal escopo, estarás em condições de obter tudo o que desejares, servir teus amigos, exalçar a casa de teus pais, engrandecer tua pátria. Começarás por criar nome em tua terra, depois em toda a Grécia e quem sabe, como Temistocles, até entre os bárbaros. Enfim, aonde quer que fores, chamarás os olhares sobre tua pessoa.

Ouvindo estas palavras, Glauco entesava de orgulho e deixava-se ficar todo gozoso.

Prosseguiu Sócrates.

-Não é evidente que se queres honras deves servir a República?

-Claro

-Em nome dos deuses, nada me escondas, dize-me qual o primeiro serviço que esperas prestar-lhe.

-Glauco guardava silêncio, procurando por onde começar.

-Não te esforçarás de enriquecer a cidade? – disse Sócrates – como se se tratasse de enriquecer a casa de um amigo?

- Sim

- Excoitar maiores rendas não será o meio de torná-la mais rica?

- Evidentemente – respondeu Glauco.

- Dize-me, pois, de onde se retiram hoje as rendas do Estado e qual o seu montante. Certamente fizeste teus estudos, a fim de suprir com os produtos que escassearem e prover aos que vieram a faltar.

- Por Júpiter! – respondeu Glauco – nunca pensei nisso.

- De vez que não pensaste nesse ponto, dize-me ao menos, quais são as despesas da cidade, porque não resta dúvida que tens intenção de abater as supérfluas .

- Palavra! Tão pouco pensei nisso.

- Pois bem, deixemos para depois o projeto de enriquecer o Estado. Como, com efeito, pensar em tal antes de conhecer as despesas e as rendas?

- Mas Sócrates – disse Glauco – também pode enriquecer-se a República com o despojo dos inimigos.

Sim, sem dúvida, se formos mais fortes que eles. Se formos mais fracos, nós é que seremos despojados.

- De fato

- Quem desejar empreender uma guerra precisa, pois, conhecer a força de sua nação e a dos inimigos, a fim de, se sua pátria for mais forte, poder abrir as hostilidades, se mais fraca, manter-se na defensiva.

- Tens razão.

- dize-me, primeiro, quais são as forças de nossa cidade em terra e mar, depois as dos inimigos.

- Ora, assim de improviso não posso responder-te!

- Se tens em casa algum escrito sobre o assunto, esperarei com o maior prazer.

- Não, nada tenho.

- Pois muito bem, espaçaremos igualmente nossa primeira deliberação acerca de guerra. A matéria é vista, e como só agora te iniciais na administração talvez inda não pudeste estudá-la.

- Sei, Glauco – ajuntou Sócrates – que não estivesse nas minas de prata, de sorte que não podes dizer por que produzem menos que outros.

- Efetivamente inda não estive lá.

- Diz-se que o ar lá é malsão: ai tens boa escusa para quando se vier a deliberar a respeito.

- Estás mofando de mim, Sócrates.

- Mas tenho certeza de que pelo menos examinaste cuidadosamente quanto tempo pode o trigo colhido no país alimentar a nação, quanto se consome mais cada ano, a fim de que jamais te surpreenda a escassez e pessoas, com tua presidência, preconizar as medidas necessárias ao suprimento e salvação da cidade.

- Falas-me – disse Glauco – de tarefa para lá de árdua, se for preciso ter olhos para tantas minudências.

- Sem embargo – retorquiu Sócrates – nem a própria casa será capaz de governar quem não lhe conhecer todas as necessidades nem souber satisfazê-las, visto contar a cidade mais de dez mil casas e não ser fácil ocupar-se de tantas famílias ao mesmo tempo, por que não ensaiaste engrandecer primeiro uma apenas , a de teu tio? Ela necessita-o. Se desses conta da atarefa, então meterias ombros a empresa de maior monta. Mas se não saber ser prestadio a um individuo sequer,como poderia ser útil a todo um povo? Não é manifesto que, se alguém não tem forças para levantar um talento, nem deve tentar carregar mais de um?

- Ah! Certo – exclamou Glauco – bons serviços prestara eu à casa de meu tio se quisesse dar-me ouvidos!

- Como! Replicou Sócrates – não foste capaz de persuadir teu tio e esperas fazer-te ouvir de todos os atenienses, teu tio entre eles? Veja lá, Glauco, que não vás, de olho na glória, ver-te barba a barba, com coisa muito diferente. Não vês como é perigoso dizer o que não se saiba?

Para finalizar sentencia Sócrates (...) em todas as circunstâncias os que reúnem os sufrágios e atraem a admiração são precisamente os que sabem, enquanto opróbrio e desdém é o quinhão dos ignorantes.

Como vês, João, o quão difícil é governar sem as condições e o conhecimento necessários. Medite sobre isto. De uma “tucana” de carteirinha. Zélia Maria Freire

Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 09/07/2008
Reeditado em 12/07/2008
Código do texto: T1072183
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