OLHAMOS E NÃO VEMOS

Uma flor! Belíssima, de um lilás suave no meio de folhas longitudinais. Saía do seu interior um ramo terminando com um pequeno cacho branco. Parecia duas flores em uma. Uma brotando de dentro da outra. Por isso chamei a atenção de todos que estavam no carro. “Uma flor? Só tem mato aí. Você não viu direito.”, foi o que ouvi em confronto a meu entusiasmo. As crianças também acharam que eu estava tendo uma visão, afinal, só tinha mato no estreito caminho que conduzia até o sítio da minha mãe. Cerca de um lado e do outro, todas cobertas por plantas com verdes nem um pouco atrativos, algumas com espinhos. Um capim rasteiro aliado a uma vegetação que crescia como se quisesse alcançar o céu cobria o caminho atrapalhando a passagem do carro. Não tinha muito o que se ver por ali. Não é a toa que todos tirassem onda da minha cara porque eu estava deslumbrada com uma flor que além de bela pareceu exótica aos meus olhos. Mas eu vi e visualizei muito bem. O carro andava lentamente e eu pus minha cabeça um pouco fora da janela e fiquei olhando para trás enquanto nos distanciávamos.

Logo chegamos ao sítio, eu saltei do carro e imediatamente quis saber de minha mãe que flor era aquela. Ela nem de longe entendeu a minha descrição e dessa vez todo mundo riu da minha “flor imaginária”. Ninguém conseguia acreditar que eu realmente tivesse visto.

À tarde no meio das minhas reflexões me pus a pensar por que tanta coisa escapa aos nossos olhos em nossa vida diária. Corremos muito e deixamos de perceber as mudanças e o belo, que passam indiferente diante de nós. Nos aborrece a miséria da criança maltrapilha da esquina e não vemos seu olhar carregado de sonhos e esperança. Quando a chuva cai nos incomoda as poças d’água e a lama que suja nossos pés e não vemos quão refrescante, produtiva e necessária é a água. Menosprezamos o gari que recolhe a sujeira feita por nós e não vemos sua alegria e entusiasmo pela vida. Não vemos a flor que brota no meio do mato crescido que deixa a paisagem monótona e sem graça. Não vemos os detalhes da vida que passam por nós.

Estamos acostumados a passar sempre pelos mesmos caminhos. Vemos sempre: as mesmas casas, as mesmas pessoas, as mesmas ruas... Não nos damos conta que o que parece ser sempre igual se renova. A nossa indiferença frente ao que olhamos é que nos faz não enxergar o que mudou, o que surgiu de novo no meio do mesmo. Não é fácil perceber os pequenos detalhes que foram modificados em um cenário que é tão “conhecido” por nós. Tão “conhecido” que quando alguém nos aponta uma única mudança nos impactamos. É, precisamos que alguém nos mostre, aponte o dedo bem para lá, naquele detalhe que foi desprezado por nós. Matamos as mudanças e perdemos a chance de nos encantar e ficarmos deslumbrados com o novo que surge a cada dia nas trilhas da nossa vida.

Voltamos no fim da tarde e eu fiz questão que parassem o carro. Mostrei a flor. Minha mãe falou que conhecia, segundo ela era uma espécie de lírio, selvagem(na minha mente), mas meu olhar diante da estranha “estranha” flor desabrochada não permitiu aos meus ouvidos entender de que espécie era. Finalmente todos puderam contemplar junto comigo da minha alucinação visual. Queria a flor para mim, mas achei melhor que ela ficasse lá, embelezando aquele e causando um choque pela sua beleza que contrastava com o cenário quase árido.

Mais ou menos um mês depois a planta estava caída num amarelo murcho. Alguém com uma lâmina cortante a tinha decepado, e ela jazia no meio da triste vegetação. Nunca mais dará flor.

Silvia Pina
Enviado por Silvia Pina em 09/07/2008
Código do texto: T1073003
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