PAPO DE MULHER
Uma amiga cá do interior, de seus quarenta e poucos anos, aparece-me de repente no trabalho, meio da tarde, e mostra-se preocupada com a proximidade do fim do ano (?), quando as pessoas do interior deixam suas casas por um mês e ficam flanando de férias na praia. Um lugar qualquer, desde que tenha água salgada, uma casa pra ficar e uma feira de artesanato para o final do dia. No interior é assim: trabalha-se o ano todo, guardando dinheiro e sonhando com as merecidas férias na praia. E na família de minha amiga não é diferente. O marido fecha o bar por um mês, ela dá um tempo nas vendas de porta em porta, junta as filhas, as esperanças e despede-se da cidade a caminho do mar.
Ainda agora, em julho, ela me vem com uma pergunta bastante difícil de responder: “Como é que eu faço pra acabar com a celulite até o verão, heim? Pelo amor de Deus, eu vou pra praia!”. Paro tudo o que estou fazendo e travamos um diálogo, cujo fim eu já previa.
- Ih!... Difícil. Tem corrente russa, tem tempo de fazer?
- Tempo até arrumo, mas quanto é?
- Não é barato, porque tem que fazer várias sessões. Mas só isso não basta: tem que usar um bom creme anti-celulite, caminhar, fazer ginástica, parar de comer quase tudo...
- Nossa! Mas isso vai me sair muito caro! Fora o sacrifício!
- Pois é, minha cara! Não fizemos exercícios na adolescência, não crescemos evitando doces e refrigerantes, não somos ratas de academia... então estamos ferradas!
- Mas como é que vou fazer, então? É um mês de pernas de fora!
- Podemos criar uma nova moda, de maiôs que descem até o joelho, tipo roupa de surfista, e podemos dizer que é ultra moderno, que se usa por orientação do dermatologista, para uma super proteção contra os raios UVA UVB que a cada ano estão mais nocivos. Em nossa pele branquinha, então, imagina o estrago do sol!?
- Não sei não. Será, amiga, que não tem uma maneira mais prática?
Perco o freio e falo logo o que gostaria de ter dito lá no começo da conversa:
- Sabe como é que você pode resolver de vez o problema da celulite?
-Ahn...
- Pedindo pra nascer de novo. Não tem jeito, amiga. A gente é pobre, vive aqui no interior, temos uns poucos caraminguás pra juntar pra curtir um mezinho na praia, como é que vamos tirar dinheiro todo mês pra academia, creminho, massagem... Sabia que tem creminho (no diminutivo porque o pote é pequeno mesmo) que chega a custar 500 paus?
- Fala sério!
- É, sim senhora! E ainda tem que passar fome, comer folha, esquecer a coca-cola e o pavê de domingo... E pra dizer a verdade, nem sei se isso adianta depois de uma certa idade...
- É, acho que o jeito é pedir pra nascer de novo mesmo... e de preferência homem.
- É, amiga, porque celulite é inerente à mulher. E a gente ainda tem que cuidar dos filhos, do marido, da casa, defender uns trocados, preocupar-se com tanta coisa, que não dá tempo nem sobra grana pra gente se cuidar, né?
- Pois é. Foi pensando nisso mesmo que eu achei que começando agora, no meio do ano, ainda dava tempo de me preparar pro verão.
- Sinto muito, querida, estamos quarenta e poucos anos atrasadas pro verão 2009. E o tempo não pára, e as novidades estéticas estouram a todo momento, e quem já perdeu tanto tempo e ainda por cima é duro, tá ferrado mesmo. Me desculpa!...
- Tudo bem... É, o jeito é nascer de novo – sai, desolada, minha amiga.
E eu, que já sei o ritmo das coisas, que já perdi as ilusões e que já desisti de férias na praia, retorno ao trabalho, porque a vida não pode parar e nascer de novo ainda pode demorar a acontecer.