Quando Jesus Nasceu

Ainda não é tempo de Natal, mas vale lembrar. No início de dezembro de 2004 recebi correspondência de alguém falando de Maria de Magdala, Judas Iscariotes, Tomé, João Batista, Lázaro, Maria de Nazaré e outros personagens bíblicos a respeito de quando Jesus teria nascido.

Entendo que certas correspondências merecem respostas e foi isso o que escrevi na época a quem me encaminhou o texto:

“Uma das coisas mais bonitas do Natal foi escrita por Assis Valente, mulato, emérito compositor, tido por alguns como homossexual (não sei, por que não era nascido ou era, o que é mais provável, muito pequeno quando ele vivia e devia ter alguma fama) e que fez muitas canções gravadas por Carmem Miranda. Como essa

canção que, de tão bela, praticamente tornou-se um hino, em que

pese as características de seu autor, hoje mais aceitáveis. Vou tentar

transcrever a letra:

Anoiteceu, o sino gemeu

A gente ficou feliz a cantar

Papai Noel, vê se você tem

a felicidade pra você me dar

Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel

(E a tal felicidade) eu pensei que fosse uma

brincadeira de papel

Já faz tempo que pedi, mas o meu Papai Noel não vem

(Com certeza já morreu) ou então felicidade

é brinquedo que não tem

Coloquei entre parênteses o que não tenho certeza de pertencer realmente à letra da música. Pode haver ainda outras incorreções. De qualquer modo, "vê se você tem a felicidade pra você me dar" e "felicidade é brinquedo que não tem", se a gente pensar um pouco, dá até vontade de chorar. Como se pode chorar quando se pensa no dia em que Jesus nasceu. Porque vemos que muito pouco (ou quase nada) do que ele ensinou, conseguimos aprender ou praticar. A começar pelas igrejas, muitas delas verdadeiras casas de negócio. E os negócios feitos pelos detentores do poder nas grandes nações do planeta, subjugando as mais fracas para a conquista de maior opulência, isso desde muito antes de Roma, até ao Bush de agora. Negócios, ações, armadilhas, armações, guerras, assassinatos em grande escala (não é o mesmo que guerra?), descobertas científicas, desenvolvimento tecnológico e muitas outras coisas que culminaram na encruzilhada em que nos metemos, a partir da necessidade imponderável e absoluta, além de praticamente constante ao longo dos tempos, de nos devorarmos uns aos outros, com a mesma avidez com que devoramos tudo aquilo que encontramos no planeta e que deveria estar à disposição de todos. Por isso, nesse tempo de Natal, fico com a lucidez e sutileza de um Assis Valente que, como muitos de nós, conseguiu ter a capacidade de nos fazer lembrar que somos gente, coisa de que frequentemente nos esquecemos. E não será lendo a Bíblia ou indo regularmente à Igreja que conseguiremos necessariamente alterar esse comportamento. Mas, é claro, Jesus ajuda, como ajudam muitos outros mártires que como ele se preocuparam com a direção do rebanho, com o movimento da coletividade”.

O texto foi produzido também em 07/12/2004, data em que a correspondência me foi encaminhada. Só que não mereceu qualquer resposta.

Rio, 11/07/2008