Portugal meu "avozinho"

Tinha uma maneira própria de enroscar-se, baixar os olhos, pestanas longas, no assoalho brilhante desenhar pequenos círculos com a ponta dos pés . Deixá-lo teso empertigado da galhardia faceira desta timidez fingida, ao se dar conta, lembrava cofiando uns bigodes espessos manchados de tabaco onde sua boca formava um bico, havia se casado com a filha da “bugra” com um patrício de Aveiro. Feliz contava com seu jeito próprio como ela lhe ensinara a acarinhar a terra e dela obter seu sustento como lhe havia entornado peito adentro um amor, a estas terras brasileiras, mineiras estes sertões de Montes Claros e Monte Azul, divisa da Bahia. Aportara vindo la das suas terras Minhotas lá do outro lado do mar, para aqui fecundar a barriga “parideira” da mestiça, criar filhos se babar nos netos, primeiro o José, para ele Zezito onde grudara o apelido de Miúdo à chama-lo como em sua terra,-Vem cá miúdo que o avô quer te mostrar uma coisa....Onde anda o miúdo, cuida para não faça traquinagens. Em sua terra pouco dizia menino, quase nenhum moleque, apelido que o neto levara até, colocar calças compridas em São Paulo tornar-se adulto. Depois vieram netos, tantos que sua memória falhou os nomes, netos que lhe deram os onze filhos e filhas mestiços. As vezes olhando o horizonte ao fim da tarde, uma bruma de melancolia, tornavam seus olhos da cor do céu mais escuros viajando em sua saudades d’além mar, dizia olhar perdido para o além do além, que ainda havia de cá trazer o irmão Felismino, único parente que lhe restara na terrinha. –Vou mostrar a ele estas terras, vais conhecer teu tio avô, pandego conta causos como só ele e dizer. –Vê Felismino, além daquelas serras pontudas – e virando o braço ao lado oposto – e além da curva do Rio, lá onde tem aquele buritizal, é aquelas copas de palmeiras lá adiante que parecem com um rabo de pavão, tudo isto é nosso, não lhe disse que era maior que a maior herdade que trabalhamos...

Não consumara o sonho, o irmão se fora antes, ao receber e ler a carta com a noticia atrelou os cavalos á velha carroça e foi desbeiçar sua dor na beira do rio. Depois partiu ele o velho José, o avô português, tornando-se uma lenda da família. –Morreu trabalhando, descarregando sua tropa na feira de domingo em Montes Claros, curvou os joelhos segurou as bordas de um saco de milho, apoio os cotovelos e ao erguer falhou o coração, desabou sua vida no chão quente e poeirento da feira de Montes Claros. Por muito tempo se diria nas feiras do norte de Minas, do Seu Zé Português enganou o destino que lhe previa cama quente e confortável para deixar a vida, como queria... na lida, forte, uma velha nogueira Minhota desaba solene sobre o chão da terra dos jequitibás... sobre ele um saco de milho, o fruto do seu trabalho.

Haveria de por ele, marejar meus olhos sorrir do destino, ao descer em sua terra e lá ver o Minho e nele... Portugal meu “avozinho”.

Carlos Said

Carlos Said
Enviado por Carlos Said em 14/07/2008
Reeditado em 25/08/2011
Código do texto: T1079301
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