O nome dela é Domenique

Eu a conheci em 92. Foi a ex-mulher do meu tio, na época ainda era casada com ele, quem me apresentou. Ela era baixinha, gordinha, tinha o palato fendido, nariz achatado e sujo, além dos problemas de aprendizado. Eramos crianças, ela tinha uns 2 anos a menos que eu. Estávamos na E.B.F. ( escola bíblica de férias), cercados de crianças, crianças cruéis.

Certas vezes não existe nada mais cruel que uma criança. Elas não medem o que falam nem as brincadeiras. Com Dodô não era diferente, falavam mal e faziam piadas com a sua aparência. Quando queriam irritar algum menino, diziam que este era namorado da Dodô. O menino logo se doía e saia dizendo que não, ela era muito feia, as vezes era na frente dela. Eu sempre gostei de tirar um sarro com a cara dos outros, porém, nunca com doença. Minha mãe dizia que Deus poderia em castigar e eu ficar daquele jeito.

Hoje tenho 22 anos, Dodô deve estar com uns 20. Pelo que sei ainda está daquele jeito, talvez pior. dodô passava seus dias debruçada na janela, vigiava a vida dos outros.Dodô sempre foi infantil, ninguém gostava de brincar com ela, a não ser os pequenos. Os pequenos cresciam e logo se punham a debochar dela.

Dodô repetiu a 5° série umas 500 vezes, a mãe tentava ignorar o fato de que sua filha tinha problemas. Talvez até pudesse frequentar escolas comuns, porém precisaria de um acompanhamento especial. A medida em que todos aumentavam seu círculo de amizades, o de Dodô ia diminuindo. O pessoal cresceu, saia pra festas, comentava sobre paqueras e Dodô inventava seus namorados ou falava de alguém da TV.Víamos que ela queria ter o que contar, sua vida não se mexia, então conatav da vida dos outros. Tudo o que ela sabia, ela via de sua janela.

Morava com a mãe, o pai e uma tia. Dos três quem lhe dava mais atenção era a mãe. Coitada, pensavam, os viznhos, sem amigos e sem família que a ampare. O pai é um bêbado, ignorante, está sempre na rua enquanto a mulher e a cunhada trabalham. A mãe de Dodô era uma passadeira. Negra, de ancas largas, braços fortes e mãos calejadas. Dodô teve irmãos, dois, estão mortos, eram do tráfico. A tia de Dodô, trabalhava fora, numa firma de limpezae não ganhava muito.

Depois de algum tempo acamadaem casa, a mãe de Dodô foi internada num hospital, faz mais de 1 mês. A tia foi ficar com a enferma e Dodô ficou só com o pai. Os vizinhos, sempre que podem, perguntam se ela já comeu ou se precisam de alguma coisa. É preocupante a situação da "garota da janela". Depois de tanto tempo, poucos são os que se sensibilizam com a situação. Dodô é uma criança de 20 anos e ninguém percebe, possivelmente nem mesmo ela percebe. A mesma menina de nariz escorrendo que conheci há 16 anos é a que está debruçada hoje naquela janela. Dodô está vendo o tempo passar, a vida passar, seus sonhos passarem, tudo sem perceber.

Dodô é Domenique, tudo vê e nada sabe.