Crônicas de esquina 2

UMA VEZ VILA, SEMPRE ISABEL

Certa vez, conversando com o Edinho, chamava ele a atenção para o fato de as pessoas estarem deixando Vila Isabel. Antigos moradores, dizia-me, nascidos e criados nessa cercania decidiam, de repente, mudar de endereço. Assim, numa espécie de Entradas e Bandeiras pós-moderna, invadiam a Barra e o Recreio. Lugares de emergentes e de gente famosa, não deixam de ter lá o seu charme e o seu quê de paraíso, valorizado pelo mar que adoça a vista e salga a carne deixada ao sol. Especialmente na Barra, as pessoas não moram: põem-se em exposição. Seus condomínios bucolicamente esculpidos e seus shoppings de arquitetura faraônica emprestam-lhe o status de um “El Dourado carioca”. E incha.

Antigamente, apertava-se o cinto para que o bolso resistisse ao prolongado mês. As despesas, sempre maiores que a receita, exigiam um novo furo ao velho e surrado apetrecho de cintura. Mas hoje, muitos apertam o cinto – ou enforcam-se nele – para morarem na Barra. Quanto a viver, já é uma outra história. Então, como índios futuristas do novo milênio, desfilam orgulhosos pela orla.

Penso nessas coisas enquanto o Edinho vai desfiando seu rosário de nomes, alguns, para mim, desconhecidos. Nosso querido “ The Jones”, afeito a reminiscências e prolegômenos, vai enumerando todos os que evadiram-se em busca de ares outros. As razões para a mudança podem ser muitas ou nenhuma. Serginho cedae, por exemplo, que já morou em Ipanema e Botafogo, sonha com a Pavuna. Por que não a Barra para os que a desejam? O mar é sempre um bom motivo, especialmente quando se tem filhos adolescentes, esses Eros e Vênus da modernidade. Ah, a Barra! É como a prostituta fidelíssima: interdita-se para uns, mas é pródiga em carinhos e mimos para os seus seletos.

Outros diletos amigos optaram pelo Leme, Leblon, Lagoa. À exceção do Nei, que refugiou-se em Seropédica, ninguém mudou-se para Madureira, Vaz lobo, Cavalcante. É como se nos limites da Vinte e Quatro de Maio houvesse uma linha de Tordesilhas que não nos coubesse transpor.

Faço o nobre Edinho ver que, em se tratando de Vila Isabel, a coisa não é bem assim. Não somos um bairro, mas um jeito de ser. Mesmo transladados mantemos nossa unidade lingüística tribal. A rigor, ninguém se muda de Vila Isabel. No máximo, transferem-se mobílias. Pode o Emir amanhecer no Leblon e até dar uma caminhada pelo calçadão, mas é aqui que toma o seu café da manhã. O mesmo se poderia dizer do Paulinho mocó e Mário Maliza. Marcelinho assiste em Santa Teresa, porém é aqui que assiste os amigos que construiu. Marquinhos Aragão tem CEP no Leme e sede no Costa. E assim vai. Onde quer que esteja um dos herdeiros de Noel, também lá seremos uma espécie de campus avançado e onde Vila Isabel será sempre tema recorrente.

Aldo Guerra

Vila Isabel, RJ.

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 04/02/2006
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