O fã clube

O tema é recorrente, mas já disse: considero tentar abrir os olhos uma missão. É ingrato, quase inócuo, mas não desisto. Talvez um dia Deus me diga: “Obrigado por combater aqueles que deturpam minha palavra”. Talvez não, mas continuo com o que considero uma boa cruzada.

“Tenho que apurar, pois vamos fazer uma oração”, disse a moça ao meu lado, no refeitório. Achei legal, pois oração, nas pior das hipóteses, gera boas vibrações. Começaram e já me assustei: uma das integrantes “orou” pelas demais. Lavagem cerebral e não oração. A cada quatro palavras, duas eram “oh Senhor”. Sobrou invocação e faltou conteúdo. Terminada a “oração”, a história da família dela, desenganada de pai, mãe, sogra e Banco do Brasil, que “se converteu” e, num passe de mágica tudo mudou. Almoçaram no meio dessa conversa. Levantaram-se formando um círculo e aí veio a paulada: oração em altos brados, entremeada de sessões de exorcismo (todas ali presentes, pelo visto, tinham o diabo no corpo) e dá-lhe falar línguas estranhas. Se eu soubesse: estudei tanto inglês e tenho dificuldades grandes, alemão, que foi minha língua mãe, me atrapalho todo, espanhol que estudei e usei muito, falta tudo para ser bom, e agora descubro que bastaria ter me convertido... Pois é, a gritaria continuou por mais uma hora, ouvida em todo andar do prédio e afastando toda e qualquer pessoa que quisesse se unir em oração.

Outro dia um amigo, também convertido, por eu não ser de sua confissão, fez insinuações a meu respeito a uma moça da mesma associação religiosa dele. Ela, ingenuamente: “Cuidado, que Deus vai te castigar”. Deve ter me pego de pá virada, mas expliquei-lhe que rogar pragas não é coisa de Deus e que esse deusinho do medo ela poderia ficar para ela. Acho que não gostou, pois nunca mais tocou no assunto comigo.

Ligo o rádio e o pastor convidando para sessões de descarrego e mais um sem número de ações na mesma linha. Tudo em nome de Deus.

“Não é bíblico, por isso não os aceitamos como membros da comunidade”, explica um carola. Pergunto se pagar o dízimo podem. Responde que pagar, sim. Falávamos dos homossexuais.

Bento XVI, mostra a Veja, está resgatando vestes dos velhos tempos da Igreja Católica, na tentativa de reforçar a tradição. A mesma tradição retrógrada que tanto mal já fez à humanidade, em todos os sentidos.

Li de um liberal americano falando dos puritanos daquele país: “Eu acredito em Deus, o que me assusta é o fã clube dele”. Eu queria ter dito isso.