QUEM TEM MEDO DE BARATA?
 
         O trânsito como sempre estava caótico, agravado naquela manhã de segunda-feira pela volta das pessoas que retornavam da região dos lagos. Praticamente não se mexia. A Alameda São Boaventura serve de escoamento de trânsito para quem se desloca em direção ao centro de Niterói ou para a cidade do Rio de Janeiro, vindo de cidades vizinhas. O fluxo de veículos fica horrível exigindo das pessoas boa dose de paciência quando necessita ir para outros lugares por meio rodoviário. Nas paradas de ônibus as pessoas, na maioria trabalhadores e estudantes, aguardavam impacientes por uma condução que as conduzisse ao seu local de destino. Enfim chegou o ônibus e nele embarquei na esperança de chegar o mais rápido que pudesse a Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro. Habituado a realizar este percurso e a enfrentar longos engarrafamentos na Alameda e na Ponte, procurei acomodar-me como podia no ônibus já lotado e com passageiros em pé. Mas aquela não foi uma viagem igual às outras.
O ônibus deslocava-se lentamente a medida que o trânsito fluía até que depois de quase uma hora alcançou a ponte Rio-Niterói. O dia estava nublado e a neblina não nos permitia ver a beleza da baía da Guanabara. A maioria dos passageiros sentados cochilava ou ouvia músicas com fones de ouvidos. Outros liam jornais, revistas e livros. Tudo era válido para passar o tempo no engarrafamento até alcançar o destino. Lá fora os motoristas impacientes buzinavam como se isto fosse resolver o problema do fluxo de veículos.
Seguindo lentamente em meio à neblina que recobria a ponte o ônibus alcançou a descida do vão central onde as pistas se afunilam de quatro para três o que complica mais ainda o deslocamento dos veículos. De repente uma senhora levantou-se, virando-se e desferindo uma bofetada no rosto do passageiro do banco detrás. Este, surpreso perguntou porque ela fez aquilo e ela respondeu: 
          -Você sabe, imbecil!
          - Não não sei não. E exijo explicação.
          -Você passou as unhas no meu pescoço.
          - Eu? mas eu estava cochilando.
         Neste momento alguns passageiros intercederam e o defenderam afirmando que realmente ele cochilava quando a mulher o acertou com a bofetada. Nisto, ela começou a ficar inquieta como se tivesse algo sob sua blusa. Tirou o casaco de frio e sentiu que sob a blusa havia algo espetando sua pele. Apalpando veio a constatação: era uma barata. Rapidamente ela tirou a blusa ficando de sutiã no interior do ônibus para surpresa dos demais passageiros, enquanto gritando alucinada tentava tirar de sua peça de roupa a barata que não sabia como foi parar ali. Provavelmente deveria estar dentro do veículo e acabou alcançando seu corpo, deslocando-se pelo seu pescoço, o que a fez pensar ter sido o rapaz que insolentemente tivesse mexido com ela. Enquanto agitava a blusa para livrar-se do asqueroso inseto formou-se um tumulto dentro do ônibus. Alguns passageiros solicitaram que o motorista parasse para que pudessem descer, o que não foi atendido por normas de segurança da ponte. Neste meio tempo a barata sumiu e a mulher pode respirar aliviada vestindo rapidamente a blusa e o casaco de frio. Fez-se um breve silencio dentro do veículo e as pessoas respiraram aliviadas. Acharam que a barata tivesse saído por alguma janela. Outra vez um grito nervoso de alguém trouxe de volta os olhares apreensivos.
- Ali! Lá está ela!
          Um passageiro apontou para uma das saídas de emergência do ônibus onde a barata se alojara, mais assustada que os passageiros. Alguém atirou um sapato sem acertá-la. Pessoas se deslocaram para o fundo do ônibus na tentativa de afastar-se da barata enquanto ela voava e corria pelo interior do veículo. Uma senhora desmaiou no banco da frente, um daqueles bancos reservados para idosos e deficientes. Um rapaz gritou por socorro ao perceber que a barata pousou na sua cabeça e agitando as mãos fez com que o inseto voasse indo pousar no braço do motorista que consciente de sua responsabilidade em conduzir o veículo, num gesto de extrema coragem e frieza pegou o inseto por uma das antenas e jogou fora do ônibus pela janela. Em seguida olhou para traz e viu quando a barata caiu sobre o teto de um carro que estava ao lado do ônibus. Virou-se para os passageiros e disse:
- Pronto pessoal, estamos livres da barata.
No momento seguinte ouviu uma gritaria do lado de fora do ônibus e tanto ele quanto os passageiros puderam ver os ocupantes do carro fugindo a pé pela ponte abandonando o automóvel, certamente por causa da barata.

* Esta crônica está no livro "Ponto de Vista" a ser lançado brevemente com artigos, contos e crônicas. É proibida a cópia ou a reprodução sem a minha autorização. Visite meu site: www.ramos.prosaeverso.net
Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 15/07/2008
Reeditado em 17/10/2009
Código do texto: T1081916
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