COMO PAI

Como pai, fico observando meu filho. E o observo por longo tempo; inevitavelmente me vem à mente um paralelo de épocas.

São duas gerações diferentes, ligadas apenas pelo elo da paternidade. São recordações de uma infância cujo parâmetro pode ser traduzido por liberdade.

Ser livre é um desejo das crianças de qualquer geração. Todavia, percebo que as crianças de hoje não têm liberdade, apesar de toda tecnologia à sua disposição. São prisioneiras do progresso que as tornam solitárias e individualistas, além disso, são vítimas da ausência e do medo de seus pais.

Lembro-me que à idade de meu filho, conhecia a cidade onde nasci de ponta a ponta. Não havia ruas ou becos que eu não andasse. Os pais sabiam que seus filhos retornariam intactos para casa e a violência não era comum entre crianças ou adultos.

Aos sete anos de idade eu já havia explorado o rio que banhava a cidade. Era prazeroso banhar e nadar horas e mais horas naquele rio; não havia felicidade maior do que pescar com iscas feitas de pão ou de cuscuz de arroz; era maravilhoso procurar minhocas para as pescarias. Muitas vezes fui buscar o complemento alimentar da família nessas pescarias.

Eu cresci livre de muitos medos e mesmo na pobreza e sem a mínima condição de comprar qualquer brinquedo, pude brincar de muitas maneiras, utilizando apenas a inventividade de criança. Fiz muitas hélices com palha de coqueiro e brincava correndo como se eu mesmo fora avião.

Lembro-me que brincava com libélulas. Rotineiramente eu as capturava e colocava uma linha em suas caudas e saía brincando e elas voavam até onde o limite do meu fôlego resistia e depois eu as deixava livres.

As crianças da atualidade são prisioneiras do controle remoto, da eletrônica, da internet, do vídeo game, dos jogos e de outros brinquedos eletrônicos.

Dificilmente uma criança da atualidade sabe pescar ou conhece as águas caudalosas de um rio sem qualquer tipo de poluição. Refiro-me à pesca simples e não à pesca esportiva. Àquela pesca onde fisgamos piabas, mandis, sardinhas, piaus, “anojados”, traíras, surubins, carás e outras espécies.

Digo isso porque meu filho também não sabe pescar; não sabe inventar brinquedos. Tive de brincar com as mais diversas formas de brincadeiras que não existem mais. São formas de diversões ultrapassadas, mas evocam a liberdade.

Hoje, elas estão expostas aos perigos que antes não existiam. Nas cidades não havia rodovias e o fluxo de veículos era pequeno. Poucos eram os consumidores de drogas; meninos e meninas eram conhecidos de muita gente. As ruas eram arenas apropriadas para se brincar. As crianças eram as verdadeiras donas das ruas.

Brincava-se ao dia e também à noite. As poucas ameaças à coragem das crianças eram as assombrações das casas “mal-assombradas”, lendárias na época. Brincava-se de bola, de pipas, pião, “currupião”, de queimada, de bandeirinha, de fazendeiros, de pegador e tantas outras brincadeiras, além disso, os pais daquela época sentavam-se nos terreiros das casas para contar histórias de reis, rainhas, príncipes, princesas e muitas aventuras heróicas.

E observando o meu filho, eu percebo que ele não tem a mesma liberdade que tive em minha infância porque hoje os perigos são maiores e mais numerosos. Além disso, o trânsito nas ruas é caótico e tanto motoristas como pedestres não observam os sinais; a velocidade dos veículos é grande e também existe o tráfico de drogas que está aliciando crianças e jovens até nas escolas.

As crianças não podem brincar por causa dos riscos que aumentaram demasiadamente. Quantos pais choram a ausência de seus filhos? Eles desapareceram sem deixar pistas.

Muitos pais prendem seus filhos pensando na segurança deles. Entretanto, o ideal seria se pudéssemos fazer uma média do que havia no passado com o que existe na atualidade e assim poderíamos formar nossas crianças sem os nossos medos de perdê-los para os competidores de risco que existem.

As preocupações de hoje estão isolando o futuro da humanidade. É necessário superar o medo existente para construir uma sociedade mais humana e plural. As crianças não precisam ser prisioneiras das apreensões de seus pais. Elas precisam ser livres para brincar e desenvolver a capacidade de sociabilidade.

O medo não deve ser parâmetro da educação. É nesse contexto que, sempre na medida do possível, eu brinco com meu filho; conto-lhe histórias; deixo-o sair pelas ruas para que possa brincar com mais liberdade. Foi o modo que encontrei de superar o medo de vê-lo crescer sob os perigos da modernidade. Afinal, tive liberdade, porque não permitir que ele a experimente?