Deixem-me voltar ao cigarro e, por via deste, pensar e resolver meu problema.

"Não sei como quem não fuma resolve os problemas" disse uma sábia e anônima mulher a uma amiga minha, fumante a mais de trinta anos. Longe de fazer apologia ao cigarro - que eu, entretanto, adoro - estava eu, ontem mesmo, no estacionamento do consultório onde, lamentalvemente, me informaram que a partir daquele então seria eu mais uma feliz usuária de insulina, observando, pensando e tirando minhas conclusões sob o auxílio luxuoso de um Free azul - já usei cigarros mais saborosos que o T-REX também aprecia, mas enfim, são as concessões que se faz à idade e à razão. Embora ainda aprecie cigarrilhas espanholas, charutos cubanos e um narguillé, ainda que nacional - quando olhei as casas da rua.

São casas construídas nos anos 50 e 60, com jardins varandas e alpendres; todos fechados para criar ante-salas, estacionamentos e afins, com telhados inclinados - supostamente para esperar uma neve que nunca virá - bem ao gosto dos EUA, visto haverem sido feitas numa época em que tudo que era bom para os EUA era bom para o Brasil.

A rua é pequena, e já foi tão sossegada, que crianças marcaram seu calçamento com os pés, nas brincadeiras de pique, avião, queimado e outras tantas, enquanto seus pais e avós sentavam-se nas calçadas para confraternizar a noite com os vizinhos, sob a luz amarela e fraca do poste de madeira. Os namorados encostados no muro, sob a vigilância ostensiva de milhares de olhos, enamoravam-se mesmo assim, sem essa intimidade devastadora que se manifesta via internet e que não deixa nenhum mistério a ser descoberto, nenhum segredo a ser revelado, nenhuma descoberta...as pessoas tem uma necessidade tão imensa de segurança emocional, que se expõem inteiras e pedem o mesmo de seus parceiros, não guardam nada para si e por isso mesmo são descartáveis...o T-REX avisa que eu me limite a falar das casas. Tá, tá..eu falo sim.

Das casas saíram noivas e caixões de defunto, ambos sob lágrimas e sorrisos; récem-nascidos foram recebidos com festa ou pesar e pessoas viveram, amaram, morreram, sofreram. Em suas paredes ficaram gravados os ecos da vida, as marcas das mãos que buscavam, as impressões do amor e da raiva que as pessoas que nelas habitavam produziam. As casas eram vivas, partilhavam da vida dos que nelas habitavam, como úteros.

Hoje, são consultórios, firmas e cafofos irreconhecíveis, os novos proprietários nem mesmo tem o bom gosto de lhes conservar a fachada, sequer pensam nisso. As casas ficam para sempre aleijadas, servido a um fim para o qual não foram construídas, não abrigando mais que interesses financeiros. Sim, dentro delas algumas pessoas ainda choram, como eu por causa de insulina.

Deixem-me voltar ao cigarro e, por via deste, pensar e resolver meu problema.

O T-REX balança a cabeça penalizado, sem cigarrilha, vinho e café?