Seu ninguém

Rosa Pena


Sempre que vou ao Banerj, reparo em um rapaz que trabalha lá. Ele é organizador de fila única. Uma postura extremamente arrogante e autoritária. Aqui não vai desdém algum a profissionais de qualquer área, apenas a constatação da necessidade de mandar que alguns sentem, aproveitando, então, qualquer oportunidade de exercê-la.

Naquele momento, “seu Ninguém” pode exigir que a fila única obedeça a mil regrinhas, estabelecidas com base em suas frustrações. E deita e rola. “Um passinho à frente... Mais para o lado... Pare!”
Isso ocorre com outros tantos “ninguéns” da vida. Professores que gostam de zerar alunos, como se o fracasso fosse deles, esquecendo que se os alunos zeraram foi porque o mestre não soube transmitir absolutamente nada. Médicos que marcam horas e deixam o paciente esperando por “horas”. Só o tempo deles tem valor? Ou é demonstração de poder? 

Vejo, em praias, pais que batem nos filhos e olham para os lados, pedindo aprovação dos presentes. Estão se achando! Seguranças que ficam felizes quando soam alarmes, falsos que sejam, e gritam: “Parado aí!”
Adoram presenciar a humilhação. Ganham o dia.
Chefes que amam constranger seus funcionários diante de platéias. Motoristas que jogam carros em pedestres, ou não param no ponto de ônibus, forçando o passageiro a pedir por favor. Taxistas que fazem questão de passar em poças d'água para molhar passantes. Policiais que param em blitze pessoas com aspecto de pobreza. Quanta necessidade de exercer autoridade. Pensam certamente que são os fodas.

Deixo claro que nada tenho contra regras de bem-viver e respeito autoridades.

Detesto, sim, autoritarismo como compensação de vida fracassada. Estes desejos enormes e íntimos de ser alguém temido, de sentir que manda e todos obedecem. Esta necessidade de humilhar, isso sim é detestável. Esse tipo de show não faz parte de minha vida.
Já senti muita raiva. Hoje, sinto pena.

Tomara que no dia do juízo final Deus não seja tão rígido na fila única, o ônibus que conduzir seus “ninguéns” pare no ponto certo e que não soem alarmes falsos.
Senão, tadinhos, danaram-se.

2002
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 11/04/2005
Reeditado em 22/10/2008
Código do texto: T10873
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