Crônicas da Amendoeira ( A Revolta de Prêt-à-Porter )

Abençoado por um período de férias, cumpro a promessa a mim imposta de reler “ Crime e Castigo” do cáustico Dostoiévski. Para tal, troquei a varanda de minha casa pela varanda da Amendoeira onde, ao lado da cerveja gelada, seguirei atento os passos do jovem Raskólnikov. Mas para minha surpresa, deparo-me como o bom e velho Prêt-à-Porter recém-chegado de seu auto-exílio nas cercanias de Cantagalo. Após o efusivo abraço e a espiadinha de esquelha sobre o livro em minha mão, declara-me:

- Professor, o Brasil é inverossímel!

Lá vinha espeto. Quando o velho guardador de águas da Cedae esmera-se na escolha das palavras é porque a coisa promete. Sorrio, dando-lhe a deixa para que prossiga:

- Não existe um homem público em toda essa Pindorama que mereça nosso crédito e confiança! Não vê o Lula? A crer nos seus números – números de pelotiqueiros, professor – até a Europa já se curvou ante a nossa supremacia!

Mantenho a serenidade para não interrompê-lo. Percebo que o velho amigo andou tendo contato com o velho tarô dos Bohêmios. Achei mesmo engraçada a idéia de se fazer uma analogia entre o comportamento do Lula e as acrobacias numéricas dígnas de um Malba Tahan. O homem que calculava mostrou-me, desde a minha adolescência, como o manuseio matemático pode ser curioso, engraçado e enganoso. Mas é Prêt quem prossegue:

- Professor, o Homem curvou-se aos ladinos do Planalto, ao mesmo tempo paladinos dos banqueiros e seus acólitos! Para eles, estes são os injustiçados pelo Ministério Público e os humilhados pelas algemas da Polícia Federal! Vergonha!!!

Márcio trouxe-lhe a Sagatyba e a minha cerveja. Sentamo-nos junto ao balcão. A essa altura Raskólnikov já teria cumprido seu ato vil. O velho volta à carga:

- A mídia parece endossar a tese da espetacularização da prisão! Uma pinóia, professor! Essa tese é, no mínimo, cínica! Pelos últimos acontecimentos, as algemas só devem existir para os que roubam pote de margarina num supermercado qualquer. Afinal, em casos como esse, o Supremo não precisa estar de plantão e pode-se deixar ao supremo ócio do recesso!

Bebo um gole ártico do bendito fermentado e concordo com o amigo.Um pobre-diabo não merece um carinho da lei. Bastam-lhe uns tapas e a fria cela de uma dessas delegacias imundas. Mas não é justo que tais procedimentos se apliquem a figuras angelicais como Pitta, Naji Nahas e Daniel Dantas. Digo isso a Prèt-à-Porter para demonstar minha solidariedade com a sua revolta.

- Vê-se que o senhor é um homem inteligente, professor! É isso. Para esses quase querubins, é preciso que o presidente do Supremo disponibilize seu tempo, saia do seu oásis e, numa simples canetada, devolva esses cordeiros de Deus ao aconchego de seus casebres. Verossímel?

O papo iria mais longe não fosse a chegada de amigos mais barulhentos. Prêt-à-Porter recolheu-se para os fundos do bar, avesso que é a vozes mais altissonantes. Fiquei um pouco por ali a título de disfarce, mas num átimo, e à francesa, escorreguei pela escada e, livro em punho, voltei à varanda de casa com Dostoiévski ao meu encalço. Isso sim é verossímel para um homem de férias.

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 20/07/2008
Código do texto: T1088752