Amores mal resolvidos

As equações do amor não são de primeiro ou segundo grau. Resistem às fórmulas e às vezes não têm solução imediata. Talvez, por isso, diz-se que as coisas do coração são as mais difíceis de resolver. Quem sabe, ainda, por isso, encontramos gente aqui e acolá falando de algum caso de amor mal resolvido. Mas, afinal, o que é esse tal de amor não resolvido? – bom: por certo é a existência de pessoas que encerram o parágrafo e mantêm reticências na relação amorosa. Deixam em aberto as conclusões, não fecham nem abrem novas sentenças ao coração e terminam não sendo felizes, nem infelizes, nos relacionamentos seguintes, pois o passado afetivo está manipulado por casos não resolvidos.

O caso de amor não resolvido é fantasia autística, de um lado só. A sensação de onipotência do desejo. A vã ilusão de que o outro, um dia, poderá voltar e suprir as carências. E quando vamos mal nos relacionamentos atuais, os casos não resolvidos aparecem como solução mágica para a infelicidade. Lembramo-nos do que poderia ter sido e não foi; do que talvez tivesse dado certo. Assumimos essa mentira para nós mesmos, da irrealidade, do surrealismo afetivo, do amor que já passou, mas, como se, num passe misterioso, pudesse ser o atual.

As mulheres são especialistas nos casos de amor não resolvido. Quantas mulheres não se lembram de um ex-namorado, um ex-noivo, aquele elemento volátil, etéreo, sem forma, mas firme na imaginação de um dia voltar? E que substituísse o atual companheiro, este sim, pouco carinhoso, sem diálogo, sem sexo. Nas carências, o caso não resolvido, pelo menos temporariamente, é a solução para evitar a depressão, a frustração da rotina do dia-a-dia. “Por que não deu certo? Por que aquele amor se foi e não retorna? – Ah! Quem sabe, se fosse ele a vida hoje seria bem diferente!”

O caso não resolvido perde toda a magia quando se torna concreto. Nada mais cruel do que a realidade. Na "Dama do Mar" de Ibsen, a amada sonha por dez anos com o marinheiro viajar e se decepciona profundamente ao seu retorno. Era outro amor e não mais o homem que conhecera. O imaginário só serve por ser imaginário. Mas se, de um lado aplaca o sofrimento ou a frustração do relacionamento sentimental de hoje, do outro, dificulta a saída para novos caminhos.

Amores não resolvidos na estatística ou na clínica, como o dissemos – acontecem mais em mulheres. Jung atribuía tal fato à idéia difusa que a mulher tem da alma masculina – o "animus" – um arquétipo existente do inconsciente coletivo feminino. Outros entendem que, por ser mais reprimida, mais proibida até no adultério, a mulher procura, num passado longínquo, a satisfação derreística, alucinatória, fantasmagórica, num amor que poderia ter se concretizado. Daí os casos não resolvidos. Qualquer que seja a explicação, o fato é verdadeiro e não são raras as mulheres que não conseguem mais amar outro homem, não vivem bem com seus companheiros por permanecerem unidas a um romance de adolescência, ou têm sonhos, com constância, vivenciando amores proibidos. Na linguagem de Jung, são imagens remotas, mal definidas, sem objetividade, como na lenda do “Holandês Voador".

Os homens são mais práticos. E muitos encerram seus relacionamentos como se as mulheres abandonadas nunca tivessem existido. Seccionam o amor da mesma maneira como fazem sexo e se viram para o lado.

Os amores não resolvidos são tal qual perguntas infantis que nos deixam sem respostas e é daí que surge o encantamento: O sonhar com imagens recordadas durante essa descida montanhosa de nossos misteriosos percursos neste mundo.

Maurilton Morais
Enviado por Maurilton Morais em 07/02/2006
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