você diante desse mundo hostil

Minha filha Ana Elisabete

Escrevi um romance para minha filha. Um romance bem no estilo das

revistas Júlia, Sabrina, Bianca.

Sei que ela vai gostar. Em nada se parece com a vida da gente, mas

na maior parte do tempo vivemos de fazdeconta. E é muito bom fazer

isso.

Na verdade, não é o meu estilo para escrever, acho que faço, embora

me obrigue a ter compaixão pelos meus personagens, uma linha meio

pessimista, sado- masoquista, ou coisas do gênero.

Gosto de Machado de Assis, Milan Kundera,Garcia Marques, Raquel de

Queiroz,Kafka, Camus, Sartre e por essa linha afora.

Gostei muito do caçador de pipas também.

No entanto, nesses momentos tão depressivos, pego um romancezinho

desses bem gostosinhos e leio e acabo me sentindo a mocinha indefesa,

desesperadamente apaixonada por aquele homem alto, sensual, de olhos

penetrantes e completamente auto confiante e bem sucedido. E eu sou a

única pessoinha na face da terra capaz de acabar com aquela pose de

machão. Não é o máximo. Qual mulher não gostaria de passar por isso? Ser

amada acima de tudo por um ser inatingível. É mais do que tocar as barbas

de Deus!

Mas, falando de minha bonequinha, ela merecia realmente que algo

maravilhoso lhe acontecesse. Não que ela seja aquela filha que as mães

falam com orgulho. Esse orgulho de poder dizer que ela está bem

financeiramente, socialmente, culturalmente... Essas maravilhas, das

quais vejo tantos pais se orgulharem, isso eu não posso sentir.

Aliás, acho que meus três filhos são bem fracassados aos olhos dessa

nossa sociedade. Nenhum deles tem nível superior e as perspectivas não

parecem querer mudar isso. Ganham pouco, quando têm emprego e não são

bons nas escolhas de parceiros ou amigos. Ou seja, nada que eu poderia

sentir orgulho como mãe. E, muito provavelmente, a culpa do fracasso

deles seja minha. Certa vez eu disse a minha filha mais velha que eu

gostaria que ela fosse igual a uma coleguinha dela. Ela ficou magoada,

mas nada disse. Contudo, ela poderia dizer que gostaria que eu fosse

como a mãe de uma de suas coleguinhas, também.

Todavia, amo a Ana Elisabete. Amo as nuances que a sua personalidade

me mostra. Ela tem uma sensibilidade à flor da pele e é uma pena que os

outros seres humanos não consigam ver o ser excepcional que ela é. Tudo

porque as pessoas se escondem atrás de comportamentos hipócritas e pré

estabelecido e a minha Ana nada tem de hipócrita e medíocre.

Sei que perfeita ela não é e se alguém que a conheça se sentir

perfeito que lhe atire, a ela ou a mim, sua primeira pedra e outras

mais.

Que pedras atirariam? A da honestidade acima de tudo? A da

fidelidade? A da lealdade? A do amor ao próximo?

Que tipo de pedras podemos atirar no inimigo nosso de cada dia que

é nosso colega de trabalho, que é nosso patrão, que é nosso companheiro,

que é nosso confidente?

Gostaria que o romance que escrevi para ela, ao menos pudesse lhe

trazer um amor imenso, sincero e leal. Um amor que rompesse barreiras,

que quebrasse a vidraça de seus amigos hipócritas e falsos puritanos, um

amor de outro mundo, já que aqui neste, há pouquíssimas pessoas iguais a

ela, incapazes de tampar o sol com uma peneira ou fingir ser pura e

imaculada, quando na verdade, nenhum daqueles que se julgam assim , o

são.

Minha Ana não tem nível superior, não mora numa casa lindíssima, não

tem um carrinho para voltar de madrugada dos bailes que ela gosta de

curtir...

Entretanto, ela pode mandar qualquer um para a puta que pariu por

que ela já aprendeu que nenhum caminho está fechado em si mesmo e que na

vida há, e enquanto se estiver vivo, sempre haverá infinitas

possibilidade. Nem sempre as melhores, nem sempre as piores, mas sempre

haverá um caminho diferente a seguir.

E, se ela ainda não mandou os seus diletos amigos falsos e imbecis

para o raio que os parta, é porque, infelizmente, ela ainda acredita que

eles são humanos e os humanos sempre têm algo de bom para mostrar.

Que lástima! Ela ainda é muito jovem.

Não descobriu ainda que aquele cheiro podre que ela sente, de vez em

quando, exalando das inocentes palavras de um falso amigo, é o cheiro

que irá sentir para o resto da vida em 99 por cento da humanidade.

É um cheiro que todos nós temos ou sentimos sempre: aquela vontade

de inocentemente magoar alguém, inocentemente machucar alguém,

inocentemente ofender alguém que consideramos inferior.

Ana! Nunca deixe os bons machucar esse corção cheio de amor que você

tem. Só não direcione esse amor aos humanos. Ame o céu, o mar, as

montanhas... Essas coisas não falam!

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