GOSTO NÃO SE DISCUTE

Vou confessar uma excentricidade: Sinto atração por pessoas feias.

Mas devo esclarecer que é algo bem maior que uma atração sexual (ou menor, ou aquém, ou além...), ou dito de outra forma, é uma atração que não está no campo sexual - ou pelo menos nunca permiti que estivesse.

O que ocorre na verdade é que quando vejo um ser humano feio, não consigo desgrudar os olhos dele; tenho que disfarçar para que o feio em questão não note meus olhares perscrutadores e apaixonados.

Mas olho muito, me constranjo deveras com a feiúra, mas olho. Fico me perguntando como alguém pode ser tão feio, como deve ser dolorido viver com tal feiúra fazendo parte de sua personalidade... Enfim, constrange-me e me dói a feiúra, mas olho. Porque quero e porque gosto.

Mas aqui cabe um esclarecimento acerca das feiúras que me embelezam a alma. Evidente que não estou falando só da feiúra física, se bem que ela por ser a mais explícita e evidente, chama-me a atenção logo de vista.

E aqui vai uma sugestão para os que apreciam a feiúra física: andem de ônibus aos domingos, principalmente nas linhas que vêm dos subúrbios de Olinda para a praia. Passeiem um pouco na praia do Bairro Novo e verão um sem número de pessoas feias das mais variadas estirpes.

São gordas, magras, ébrias, têm os pelos da perna alaranjados, sob efeito de algum produto químico.

Por vezes elas também colocam tal produto na cabeça, e ficam com mechas amarelas nos cabelos.

As crianças têm as pernas e os braços finos, escorre um muco averdejado de suas narinas; gritam, correm, quase sempre acompanhada de uma mulher gorda e despenteada, que grita: "Volta aqui, seu filho da puta! Quando eu lhe pegar vou lhe dar uma surra que não vai ter quem dê jeito!"

Evidente que o cenário é completado com um calor infernal, vários aparelhos de som velhos tocando pagodes e músicas bregas de gosto extremamente duvidoso (feias, por isso belas), as músicas se emaranhando umas nas outras, em um verdadeiro cântico infernal.

Acrescente ainda os odores de frituras, galinhas assadas, suores, urina, fezes, entre outras secreções humanas, e está completo o quadro da mais perfeita e nauseabunda feiúra.

Mas como falei anteriormente, não é só a feiúra física que me desperta interesses afetuosos.

Sou também atraído por aquelas pessoas que não tem nada mais a falar, mas insistem em emitir opiniões. Pessoas que chafurdam na mais completa mediocridade, pensando no novo carro que irá adquirir, ou na grife da moda que falta em seu guarda roupa e por isso lhes deixam deprimidas.

Aquelas pessoas cujos sorrisos de idiota revelam a maior mentira e uma desfaçatez sem tamanho ao lhe cumprimentarem, seja na rua ou no trabalho. "Amo de paixão" aquelas madames e seus cachorrinhos bem bonitinhos, que as acompanham em suas caminhadas matinais na praia, e deixam um rastro de mijo e fezes, como uma metáfora dos passos de sua dona.

Também sou "vidrado" nas pessoas religiosas, que presas em seus fanatismos absurdos, não conseguem ampliar perspectivas de ver o mundo de foco diferente, que vivem presas em seus dogmas, crendo que são seres especiais e que herdarão o paraíso celestial.

Sou louco de amor por pessoas que não lêem, apenas vêem novelas e telejornais, cuja criticidade é da profundidade de suas latrinas, as quais parecem ser as verdadeiras fontes de seus juízos.

Sou terno e solidário com toda a espécie de idiota, cretino, estúpidos seres que se acreditam belos e intelectualizados. Estou com a turba de adolescente que invadem os shoppings nas tardes de domingo, desfilando seus tênis de marca e suas roupas "transadas", gritam e incomodam bastante e não têm a mínima capacidade de entabular qualquer diálogo que seja entre si, apenas murmuram gírias e grunhidos, como se fossem mugidos de um gado contaminado com a doença da vaca louca.

Enfim, como já disse, toda e qualquer espécie de feiúra me apetece.

Estou com eles, com os feios e idiotas, mesmo que os mesmos não me dêem ouvidos e façam de contam que não percebem que os observo insistente e lubricamente.

Sei que alguns deles, sejam quais forem, ao me verem olhá-los, devem pensar: "Quem é aquela criatura feia me olhando? Não se enxerga ele? Só pode ser doido ou pederasta, ou os dois... De todo modo, é feio pra caramba."

Por isso os adoro. Somos iguais.

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 24/07/2008
Reeditado em 03/05/2011
Código do texto: T1095150
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