FILAS

Estava em uma fila de banco. Cheguei por volta das 09h30. O banco ainda não tinha aberto as portas, mas já acumulava filas imensas. Era dia de pagamento.

Fila aguardando a agência abrir, fila para os caixas eletrônicos, fila de idosos... Enfim, filas que se entrelaçavam e se confundiam umas nas outras.

Estava quente, muito quente. Um calor forte e sufocante anulava o funcionamento do ar condicionado (ligado?), e evidenciava os odores nauseabundos e agridoces exalados pela mixórdia de corpos próximos e transpirantes.

Diálogos entrecortados me chegavam aos ouvidos, uma e outra pessoa buscava minha cumplicidade ao dirigir comentários sobre o desrespeito dos governantes e dos banqueiros para com os cidadãos e clientes. Eu me esforçava para ignorar as falas que me chegavam aos ouvidos.

Fazia ouvidos de mercador.

A grande maioria das pessoas que se espremiam nas filas era feia. Uma feiúra úmida e quente, própria do calor dantesco que tomava conta do ambiente. Eu quase não conseguia tirar os olhos das filas dos idosos porque a quantidade de velhos tronchos e arqueados era impressionante; mas também na fila em que me encontrava a feiúra imperava.

Em minha frente, uma senhora zarolha, com trajes rotos e calçando um par de sandálias havaianas, de quando em quando me buscava com observações sobre a temperatura e a demora para a fila andar.

Eu olhava para baixo, esticava a cabeça para frente (para ela pensar que eu buscava algo e não falar mais comigo), mas a mulher de olhar desviado não parava de tagarelar palavras que a mim soavam insignificantes.

Poucos funcionários estavam à disposição das pessoas nas filas.

Uma jovem bela e gostosa estava na fila reservada para os idosos, a fim de auxiliá-los nas operações nos caixas eletrônicos. Mas sua presença ali era ineficaz e inútil devido à estupidez e a letargia dos velhos frente ao novo.

Também havia mulheres grávidas e com crianças de colo naquela fila, o que contribuía para aumentar a agonia que começava a tomar conta de mim. As crianças choravam, davam berros imensos, urros em uníssono que me remetiam ao inferno.

Eu olhava para os velhos, para as crianças, a zarolha na minha frente parecia sorrir (e ela era banguela) não sei de quê.

Dos caixas eletrônicos disponíveis na agência bancária, dois ou três não funcionavam e o gerente andava de lá para cá, sob os olhares indignados dos que estavam nas filas, e nada resolvia.

As filas aumentavam, algumas pessoas começaram a gritar "olha a hora" (aquelas que iam entrar na agência quando ela abrisse), outras tentavam descaradamente furar as filas, que na verdade já havia se tornado uma só grande e confusa fila.

Não havia mais começo nem fim. A gostosa reservada aos velhinhos tentava agora ordenar as(a) filas(a) e corria de um lado para o outro. O gerente desapareceu, minha agonia aumentava na medida em que não tinha respostas à pergunta "o que é que estou fazendo aqui?".

Neste momento refleti que o dinheiro que me aguardava em minha conta bancária era escasso e não mais me pertencia. Percebi que sou apenas um repassador, um atravessador entre meus credores e meus parcos recursos.

Não sei como, mas no meio daquele tumulto fétido e caótico, fui iluminado, clarearam-se para mim questões que até então me pareciam confusas.

Não tenho dinheiro. O que é depositado na minha conta é uma ilusão pequena e passageira. Aquelas quantias ridículas não demoram mais de vinte quatro horas em minhas mãos (quando não transferido direto da minha conta para as contas dos meus credores).

Ao meu redor gritos, fedores, pessoas feias de toda a espécie, criancinhas de colo, velhos; mulheres grávidas, banguelas e zarolhas. Calor! Muito calor! E então, tomei uma resolução... "Vou sair daqui!", gritei para mim mesmo (ou abafei o grito no tumulto que me circundava), e tal qual um estúpido, larguei meu lugar na fila, para delírio dos que estavam atrás de mim e arrastei meu corpo, tropeçando no mar de gente feia, em direção à saída do banco, de onde vinha uma luz...

Naquele momento aquela luz pareceu-me a liberdade, o paraíso em comparação ao inferno que me cercava. Não sabia eu que aquela luz provinha de um dia extremamente quente que fazia lá fora, na cidade habitada por um exército de feios e fedidos, tomadas por veículos, poluição, medo, violência, pivetes etc...

Mas isso é outra história.

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 24/07/2008
Código do texto: T1095155
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.