Laranjeiras

Lá em casa há muitas árvores. Não sei quantas, não conto árvores, mas há muitas árvores ao redor da minha casa. A única coisa a respeito que eu lembro é que, quando eu era pequeno, havia mais árvores. Tudo era maior. Aquele pé de tamarindo era gigantesco, hoje a mim parece apenas um leão cansado.

Aqui em casa, hoje, sempre parece outono. As folhas, nas poucas vezes que paro minha rotina para vê-las, estão no chão. Há poucos frutos, mas sempre há laranjas, a baldes. Sobra laranja em minha casa. Sempre que é época, minhas duas laranjeiras dão tanta laranja. Me canso delas, acabo comendo enlatados e conservas.

Hoje em dia é sujo comer frutos do pé, tantos micróbios. A gente compra pêssegos em calda, porque a gente nunca viu um pé de pêssego. Ninguém jamais viu uma macieira, ou uma pereira, exceto pela tevê. O pessoal sai da academia e toma suco de cupuaçu. E ninguém jamais viu o raio do cupuaçu. Açaí, nem se fala. Quando eu como açaí na tigela, me sinto um índio, um nativo da Ilha de Vera Cruz. Logo após acendo um cigarro e o abandono no chão, sabe-se lá Deus quando a terra vai fumar esse filtro.

Não importa, pra ninguém, o destino do filtro dos seus cigarros. Ninguém se pergunta pra onde vai a garrafa plástica, e ninguém mesmo vai trocar o carro pela bicicleta. E eu não posso me excluir dessa gente, como fazem os santos que vestem reciclados e comem carne de soja com alface. Não posso me excluir porque eu cortei uma mangueira da minha casa pra construir minha garagem, não sei andar de bicicleta e não suporto carne de soja. Escrevo esta crônica com um cinzeiro de um lado e um copo de 500ml de coca-cola do outro. Não posso ser hipócrita, não presto atenção nas árvores. Não percebo o quanto elas morrem enquanto eu vivo minha rotina de trabalhar, comer, dormir e até tomar banho na frente do computador. Estou preso ao meu outono, e as folhas do meu quintal só vivem no chão. As folhas do meu quintal morrem na copa das árvores. E de folhas eu só entendo A4.

Estamos longe do fim, mas corremos cada vez mais para alcançá-lo. E se você quiser laranjas, arrumo logo um balde. Já não agüento mais laranjas.

Gustavo Alvaro
Enviado por Gustavo Alvaro em 26/07/2008
Código do texto: T1098603
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