"A Juventude e o Telefone Fixo" =Crônica do cotidiano=

No tempo em que meus filhos ainda eram todos solteiros, e não faz tanto tempo assim, em geral eu me irritava um bocado ao receber telefonemas dos amigos ou das namoradas deles. A cambada de folgados ligava, eu atendia, e uma voz dizia do outro lado:

- Renato.

Ou:

- Márcio

Ou

- Maurício.

Todas as vezes eu respondia apenas “Fernando” e desligava. Desligava para não mandar um palavrão, mas sempre dava bronca quando voltavam a ligar. E ao voltar a ligar eram mais “maneiros”:

- Ôi, tio. Dá pra chamar o Renato, por favor?

- Dá. Com boas maneiras dá pra chamar. Você tem que se lembrar que eu não sou seu empregado, ô folgado. E não vai te quebrar a língua se disser “boa tarde, tio”. Não sou seu tio, mas aceito o chamamento. Não aceito é falta de educação.

A meninada toda reclamava depois com meus “meninos”, mas nunca deixei de dar a bronca que achava necessária. Coisa irritante essa mania da moçada...

De vez em quando não tinha jeito mesmo. Tinha que mandar um palavrão e bater o telefone na cara de quem ligava:

- O Renato. Depressa.

- Depressa é a p.q.p, seu merda. – Mas o palavrão não saía só nas iniciais não. Era por extenso mesmo.

Nas festinhas ou festas lá em casa eles vinham comentar comigo:

- Pô, o senhor é bravo, né, tio? Dá cada esporro na gente no telefone...

- E não é pra dar? Fora de brincadeira, vocês todos sempre me dão a impressão de que não receberam o mínimo de educação em casa. Alguém tem que dar um toque. Aposto que quando falam com o patrão ou com a namorada o jeito é outro, não é?

- É...o senhor sabe como é...

Sempre me dei bem com os amigos de meu filho. Deles ouvi muitas das boas piadas que conheço e sempre dividi com eles meu repertório, que nunca foi pequeno. Batíamos muito papo, trocávamos idéias numa boa, falávamos sobre informática – e eu aprendi muito com a turminha jovem-mas na hora dos telefonemas...Ô cambada difícil de aprender.

Às vezes eu caprichava pra valer na bronca:

- Estou reconhecendo sua voz, menina. Você não é aquela loirinha linda, de olhos azuis, de um metro e sessenta mais ou menos?

- Linda eu não sei se sou, tio, mas no resto acho que sou eu mesma que o senhor descreveu.

- Sabe o que lhe falta pra ser uma verdadeira fadinha, uma gatinha maravilha?

- Não sei não, tio.

- Um pouco mais de boas maneiras ao telefone, minha filha. Já pensou que boa impressão você daria dizendo, por exemplo, “Bom dia, tio. O senhor poderia chamar o Márcio?”

- Pô, tio...Desculpa...Da próxima vez vou me lembrar. Dá pra chamar o Márcio, tio?

Não adiantava nada a bronca. Na outra vez era a mesma coisa, do mesmo jeito, com a mesma inflexão.

Juventude folgada do cacete...Mas em muitos aspectos maravilhosamente diferente da minha.

(Hoje em dia todos eles têm celulares e falam entre si sem incomodar os coroas implicantes como eu. Ainda bem...)

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 30/07/2008
Código do texto: T1105201
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