Para quê serve a Constituição?

Este país há muito se transformou em um caos e nós, cidadãos brasileiros, parece que nos habituamos a viver em uma nação marcada pela violência extrema, desigualdades sociais exorbitantes, corrupção em todas as esferas de poder, entre outras aberrações que deveriam nos escandalizar, mas que já se tornaram parte do cotidiano e do imaginário deste barril de pólvora chamado Brasil.

Dentre os tantos absurdos que compõe nosso País, um intriga-me deveras: a relatividade da aplicação das leis por aqui tem uma espécie de graduação legal. Há leis que 'pegam' (que são aquelas que de fato são aplicadas - e que estão cada vez mais em extinção); leis que 'pegam mais ou menos'; e leis que são verdadeiras letras mortas. Também há leis que se aplicam a determinados segmentos da população (geralmente os mais pobres) e a outros não.

De todos os códigos e determinações legais ignoradas, desrespeitadas e descumpridas, a maior das leis, a que estabelece as normas da República Federativa do Brasil - A Constituição da República - é a mais lesada.

Não me refiro as emendas que foram criadas nesses menos de vinte anos de promulgação da Constituição, e que já modificaram sobremaneira o texto original. Faço referência aqui aos artigos da Carta Magna que versam sobre o valor do salário mínimo (e ao poder de compra), ao direito a educação e a saúde pública e de qualidade, a segurança, ente outros.

Basta um breve passeio pelas ruas de qualquer grande cidade do Brasil, uma visita aos hospitais e escolas públicas e têm-se exemplos claros e escandalosos do completo descaso de governantes com os preceitos constitucionais e o conseqüente descumprimento de artigos que estão lá, na Constituição.

Não consigo habituar-me com crianças e adolescentes perambulando pelas ruas, cheirando cola, pedindo esmolas, fazendo malabarismos ou matando nos semáforos. Pessoas vivendo em condições degradantes em favelas, mocambos e palafitas. Pacientes morrendo em filas de hospitais públicos, planos de saúde caríssimos, escolas caindo aos pedaços, professores mal formados e mal remunerados. Ausência total de segurança pública, a possibilidade de ser morto em qualquer esquina por causa de R$ 10.

A saúde, a educação, a segurança, a moradia tudo virou artigo de mercado e o Estado não só se omite, como criminosamente age no sentido de não fazer cumprir com o que ele próprio (Estado) está constitucionalmente obrigado.

Não me interessa aqui como fazer para mudar essa situação, a discussão de uma menor ou maior presença do Estado na economia. Não sou economista, não ocupo cargos eletivos.

Esse texto é uma espécie de manifesto de indignação, não uma proposta de governo, ou receita de soluções. Mas não posso admitir essa passividade com que nos habituamos a conviver com toda essa sorte de misérias, injustiças e desigualdade de oportunidades.

Eu quero viver em um país onde não precise pagar para ter um bom atendimento médico, onde não precise ter que pagar uma escola particular para meu filho, para que ele tenha educação de qualidade; onde não seja refém de assaltantes ou de empresas de segurança privada.

Para quê serve a Constituição? Letra morta, é o que se tornou há muito tempo. Parece-me que os governantes e legisladores vivem em outros mundos, perdidos em discussões que nada têm a ver com o dia-a-dia das pessoas.

São mundos diferentes, esses em que vivemos no Brasil: a classe média incorporou o plano de saúde e a escola particular como verdades incontestes, e segue sua vida de sonhos de consumo, até um de seus filhos serem interceptados por balas perdidas e encontradas em semáforos e esquinas.

A população miserável, espalhada por ruas e favelas, segue sem oportunidades, sem dignidade, a depender do SUS , enchendo corredores de hospitais públicos com a feiúra de doenças previsíveis ou alimentadas pela violência de sua vidas excluídas de sonhos e projetos. Sem educação, sem saúde, sem presente e sem futuro.

E os políticos ocupando gabinetes espaçosos e climatizados, indo e vindo de Brasília, viajando o mundo, morando em palácios e com toda sorte de privilégios e regalias.

E isso tudo sob a égide de uma Constituição que tem em seus pilares a promoção do bem estar social, da escola, da saúde gratuita e de qualidade, da segurança; do direito à moradia, ao emprego e uma vida digna em todos os níveis.

Para quê serve a Constituição?

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 02/08/2008
Reeditado em 12/07/2011
Código do texto: T1109183
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