Bares, restaurantes, pizzarias e TV'S

Há algum tempo eu apreciava ir a bares, restaurantes e pizzarias com amigos. Jogar conversa fora, enquanto degustava uma cerveja gelada e petiscos. Faz muito tempo que esse tipo de programa saiu de minha agenda.

Sempre tenho a impressão, quando estou nesses lugares, que se estivesse em minha casa lendo um livro, ou no cinema, estaria fazendo algo mais proveitoso. De todo modo, por vezes vou a bares, restaurantes e pizzarias. Gosto muito de pizzas, filé com fritas, bebericar uma dose de uísque em bares a beira-mar, em noites de lua cheia.

Outro dia estava com muita vontade de comer uma pizza. Fazia tempo que não apreciava uma boa mussarela, e só de pensar em seu irresistível paladar, minha boca encheu-se de água. Então me dirigi a uma pizzaria, a fim de saciar aquela vontade imperiosa que havia me tomado por completo.

Ao chegar, a minha primeira impressão não foi das melhores; a pizzaria estava abarrotada de gente. Não gosto de aglomerados, não gosto de tumulto, e confesso que pensei em desistir e ir para casa comer pão com mortadela.

Mas o desejo e a fome foram imperativos, e pensei: "Ora, paciência, sou um ser sociável e não posso desistir de saborear uma boa pizza só porque a pizzaria está lotada. O que eu queria? Pizza é bom, quase todo mundo gosta, as famílias gostam de ir a pizzarias. Então vou ficar aqui também, afinal de contas são meus pares e na verdade temos algo em comum: apreciamos pizza".

Então sentei à mesa, esperei pacientemente um garçom aproximar-se de mim para que eu pudesse fazer o pedido. E então, só então, olhei para os lados, para as mesas que me cercavam.

Percebi que quase todas as pessoas que estavam naquele local entrecortavam as fatias de massa com olhares atentos para os vários aparelhos de TV espalhados pelo estabelecimento comercial.

Percorri meu olhar pelos recantos da pizzaria; havia TVs nas laterais, no centro, no alto. Aparelhos grandes, pequenos, telões. Era exibido um capítulo de uma novela qualquer, cujo enredo era sempre o mesmo (superficial e idiota), atores e atrizes belíssimos desempenhado papéis patéticos. Enfim, mais do mesmo do que a televisão brasileira está acostumada a produzir em matéria de telenovela.

Notei que todas as pessoas que estavam na pizzaria, inclusive os garçons, olhavam hipnoticamente para as telas espalhadas ali. As famílias não conversavam entre si, apenas balbuciavam comentários idiotas sobre alguma cena da novela. Os casais não trocavam olhares ternos e nem muito menos beijos e abraços; apenas observações cretinas sobre os corpos esbeltos dos mocinhos e mocinhas da novela.

Os garçons atrasavam os pedidos, parando de quando em quando para puderem assistir um pouquinho dos apuros da mocinha, torcendo para que ela encontre logo o seu amor, e seja feliz para sempre. Diferente deles, os garçons, que têm que aturar todo tipo de cliente: bêbados, esnobes, indecisos, arrogantes; ansiando por boas gorjetas, assumindo atitudes e posturas de subserviência, chegando ao fim - do expediente, do mês e da vida - cansados, humilhados, com pouco dinheiro e infelizes.

Todos (casais, famílias, amigos, garçons) por vezes tinham espasmos de risos, gargalhadas cretinas, olhares e expressões faciais que iam da ternura ao ódio e à indignação.

Na verdade até eu fui tomado pela onipresença da novela ali; também, não havia como fugir os olhos e ouvidos da trama televisa. Ela estava em todo lugar, e o áudio era alto.

Eu estava só na mesa, não tinha interlocutores, não queria falar com ninguém, só me interessava a pizza. As outras pessoas que ali estavam, apesar de dividirem as mesas com esposas, maridos, filhos, amigos, namoradas e namorados, enfim, todo resto também parecia estar só. Uma solidão de contatos humanos, de olharem-se entre si.

Eles não saíram de suas casas para irmanarem-se em uma celebração gastronômica. Eles não apreciavam o que comiam, o que bebiam, e nem quem os acompanhava. Lá estavam eles: bichos autômatos, que se condicionam com pasto, água e estímulos visuais.

Eles não deliciavam o paladar do que comiam, eles não se inebriavam com o que bebiam, eles não se apaixonavam ou se relacionavam com os que os acompanhavam. A televisão era a senhora soberana deles. Ela os acompanhava naquele jantar de final de semana. Não os pais, filhos, namoradas; mas a TV.

Na época em que eram freqüentes minhas idas à bares, restaurantes e pizzarias, a presença do outro (quando o outro estava presente) era imprescindível nesses programas. O bar, o restaurante ou a pizzaria eram cenários para o encontro. Eles eram secundários, ou dito de outra forma, eram complemento para a confraternização de amigos, a interação da família, o os encantos e a sedução do namoro.

Hoje, não. Transformaram-se em extensões das casas, que desde muito são apenas construções que agrupam pessoas solitárias, vazias. O que se poderia chamar de interseção entre essas pessoas, de elo entre mundos distantes, são as TVs.

São elas que conseguem construir um mínimo de diálogo entre famílias que habitam um lar; nem que esse diálogo seja constituído de observações e comentários sobre os destinos dos personagens de novelas; suspiros, sorrisos e expressões cretinas em suas faces iluminadas pelo colorido de um aparelho de TV.

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 02/08/2008
Reeditado em 05/05/2009
Código do texto: T1109201
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.