Dois Minutos.

Agora que você já entrou, fique pelo menos dois minutos.

Porque tenho acompanhado o tempo da sua permanência na porta desta casa que é a minha escrivaninha.

As estatísticas me provam que você fica aqui menos de dois minutos. Fiquei tão decepcionada.

Convenhamos que, menos de dois minutos, não é tempo suficiente para você me tocar, me cheirar e me sentir.

Até um cão farejador demoraria mais tempo. Um cão que só cheira, não faz mais nada.

Mas você, não. De você eu espero elucubrações mentais mais aprimoradas.

Olha, se aqui fosse um shoping center literário, teria um texto específico para cada gosto.

Mas eu sei, existem dias em que a gente não tem vontade nem de se ler, quanto mais de ler os outros.

Existem dias em que a gente se resume a existir da forma mais primária possível. Como uma ameba.

Uma ameba é mais resumida do que um cão farejador. Mas ser ameba só acontece esporadicamente, a cada segunda feira do segundo mês lunar, quando a conjunção entre Marte e Netuno estão bem próximas. Esse é um raciocínio de ameba e se estiver errado, os astrólogos que discutam com a ameba. A ameba que acabei de ser, só para que você se identificasse comigo, caso esteja em seu dia de ameba. Não se esqueça de usar um absorvente.

Não posso acreditar que todos aqueles que me visitaram no mês de julho estejam numa fase amebiana.

Então, tenho que procurar outras identificações possíveis, do cão para cima.

Se você estiver em dia de cão farejador, pode sentir um pouco de perfume? Tudo bem, eu confesso, não é meu, tomei emprestado.

Mas, porém, todavia, contudo, se você estiver num daqueles dias em que seus outros sentidos estão mais apurados, não saia sem antes identificar e catalogar os vários departamentos, para o caso de uma necessidade posterior. Aqui você vai encontrar filosofia, humor, evangelismo, dicas de saúde, protesto e acessos secretos a outras dimensões nunca dantes alcançadas. Isso é só para os iniciados. Caso você não seja, terá que procurar a chave que abra a porta. Não é mais problema meu.

Normalmente os protestos não são o meu forte.

Mas hoje quero protestar contra a sua pressa. É essa sua pressa que lhe impede de me fazer companhia por uns míseros dois minutos.

Você começa a ler um texto e ainda que ele lhe pareça bom, nunca lhe parece tão bom o suficiente para retardar o retorno a si mesmo.

Você tem sido para mim como aquela visita que toca a campainha da minha casa e quando vou abrir a porta, antes mesmo que eu lhe diga: "Bom dia!" vira as costas e vai embora. Francamente!

Se você entrasse e permanecesse pelo menos dois minutos, nos daríamos tão bem. Seríamos tão fantásticos um para o outro que nossas mãos juntas, apertadas, derrubariam o Muro de Berlim. Se ele ainda existisse.

Como ele não existe mais, podemos derrubar alguma coisa mais abstrata. Como essa pressa que te impede de ficar comigo. Eu que sou uma escritora que escolhe palavras para falar com você, como quem escolhe rosas. Prefiro as que ainda são botão, as que não desabrocharam completamente, para você levar para casa a sua palavra escolhida e ficar esperando o momento mais belo que ainda está por vir.

Mas hoje, não. Hoje estou magoada com você e a mágoa me faz escolher palavras como quem escolhe um pedaço de frango.

Agora, pode ir. Já se passaram os dois minutos e você nem percebeu. Volte com mais tempo!