CARRO DE GARAGEM
A paixão nacional por automóvel é de conhecimento público. Para vender o produto, os comerciais exploram potência, velocidade, arrojo, aventura e luxo. Tudo supérfluo. O automóvel tem a função básica de levar pessoas de um lugar para outro. O politicamente correto, nos nossos dias, é o modelo mais simples e menos poluente.
Não era o que passava pela cabeça do Evaristo, que quando pôde comprar o primeiro carro usado, isto já vão lá mais de trinta anos, comprou um Galaxy. Aquilo era mais que um carro, era uma nave, e ele enchia a boca para dizer: “o meu gálax”. O carro era imponente, os mimos do dono. Só uma vez o deixou desconfortável, quando teve um pequeno problema de arranque. No caminho da oficina passou pelo posto de gasolina onde o frentista o recepcionava, “tudo bem, dotor”, deixou o carro ligado e pediu que enchesse o tanque.
- Então desliga!
De tanto que diziam que ele “cuidava o carro”, quando foi vender colocou no anúncio: “carro de mulher”. Tem certas coisas que a gente admite, mulher é barbeira mas cuida melhor do veículo que o homem.
O último carro que comprou foi um desses possantes, importado, motor turbo. Um desses que a gente reza que passe logo quando vem voando pelas estradas. Certas rotinas continuam as mesmas, é ele quem lava, aspira, passa um creminho, calibra pneu, troca o óleo, cuida de todos detalhes, da garagem, do freio, do filtro de ar, sei lá se estes carros tem certas coisas. O homem está bem de carro, se pode dizer o mesmo no amor, mas nem tudo pode ser perfeito.
Quando mais jovem, o carrão se justificava, sempre havia uma Maria Gasolina interessada no Possante, lembrei que o carro tinha um apelido, e agora, já passado dos cinqüenta, mais feio, quase careca, um pouco barrigudo, estava virado, assim se achava, um pouco do homem que havia sido.
Se o homem não é mais aquele, o carro é muito melhor. Ultimamente gostava de dar a entender que é um gastosão, alegria das intenções de muitas.
Ocorre que, ainda que se assanhe com as mais novinhas, caiu de rede de uma mais passada, uma velha, segundo os conceitos de muitos.
- Faz reposição hormonal, explica o Evaristo.
Os conhecidos, porém, não perdoam, o cara sempre investiu pesado, fez pose de competente caçador e agora aparece com uma dona que se cumprimenta: - Como vai a senhora?
- Menos, menos,..., dizia.
Encontrou um amigo que havia tempos não via. Este, contudo, estava inteirado das últimas do Evaristo. “Panela velha é que faz comida boa”, mas o amigo foi logo pegando no pé.
- Uma velha, Evaristo, tu em ..., quem diria...
O Evaristo, que estava apaixonado:
- Não é uma velha, essa gente pega pesado, é uma vida que me conhecem, apenas resolvi fugir do lugar comum, é uma coroa...
- Rodada, pelo que me disseram, observou o amigo atrevido.
- Rodada não, reagiu quase como quem se ofende, linda!
- Me disseram que é avó faz tempo...
O Evaristo explicou:
- É uma coroa ...
... de garagem!