O SONHO DE PLATÃO

A Bíblia, explicando a origem do Universo diz no livro de Gênesis, no primeiro capítulo que no princípio Deus criou os céus e a terra e que a terra era sem forma e vazia. Já os cientistas explicam essa origem como uma explosão apocalíptica entre 15 e 20 bilhões de anos atrás. É a tal da teoria do Big Bang. Voltaire por sua vez, conta essa criação através de um sonho onde ele atribuiu a Platão o papel do sonhador. Por ser interessante, passo à frente.

Sonhou Platão, que o grande Demiurgo, o eterno Geômetra, depois de povoar o infinito de globos inumeráveis quis experimentar a ciência dos gênios que haviam testemunhado o seu trabalho. Deu a cada um deles uma pequena porção de matéria para que afeiçoassem a seu modo.

Demogórgon recebeu como partilha a porção de lama que se chama “terra” e, tendo-a arranjado tal como hoje a vemos, julgava ter feito uma obra-prima. Pensava haver subjugado a inveja e esperava elogios, até mesmo de seus confrades, muito surpreso ficou de ser recebido com forte vaia.

Um deles, que não poupava gracejos, disse-lhe: na verdade, fizeste um excelente trabalho, dividiste o teu mundo em dois e puseste um grande espaço de água entre os dois hemisférios, a fim de que não houvesse comunicação entre ambos. Os humanos vão enregelar-se nos teus dois pólos e morrer de calor na tua linha equatorial. Distribuíste prudentemente, pelas terras, grandes desertos de areia, para que os viajantes morressem de fome e de sede. Estou muito satisfeito com os teus carneiros, as tuas vacas e as tuas galinhas, mas, francamente, não vou muito com as tuas cobras nem com as tuas aranhas. As tuas cebolas e alcachofras são excelentes, mas não concebo qual foi a tua intenção ao cobrir a terra de tantas plantas venenosas, a menos que tivesse o desejo de envenenar os seus habitantes. Parece-me, por outro lado, formaste umas trinta espécies de macacos, muito mais espécies de cães e apenas quatro ou cinco espécies de homens; é verdade que deste a este último animal aquilo a que chamas “razão”, mas, para te falar com toda sinceridade, essa tal razão é demasiada ridícula e muito se aproxima da loucura. Parece-me, aliás, que não fazes grande caso desse animal de dois pés, visto lhe haveres dado tantos inimigos e tão pouca defesa, tantas doenças e tão poucos remédios, tantas paixões e tão pouca sabedoria. Pelo que se vê, não queres que fique muito desses animais sobre a face da terra: pois, sem contar os perigos a que os expões, arranjaste de tal modo as coisas, que metade dos sobreviventes se ocupará em demandas e a outra metade em matar-se. Eles, sem dúvida, muito te ficarão devendo, e fizeste na verdade uma bela obra.

Demogórgon enrubesceu.. Bem sentia que na sua obra havia mal moral e mal físico, mas sustentava que havia mais bem que mal e sentenciou: É fácil criticar, mas acha tão fácil fazer um animal que seja razoável, que seja livre e que jamais abuse da sua liberdade? Pensas que, quando se tem milhares de plantas para fazer proliferar, seja tão fácil impedir que algumas delas tenham qualidades nocivas? Imaginas que, com certa quantidade de água, areia, lama e fogo, não se possa ter nem mar nem deserto? Acabas seu trocista, de arranjar o planeta Marte, vemos como te houveste com os teus costados e que belo efeito não hão de fazer as tuas noites sem lua, veremos se entre a tua gente não há nem loucura nem doença.

Para encurtar este sonho, todos os gênios foram censurados, ridicularizaram-se uns aos outros e se desmandaram na linguagem até que o eterno Demiurgo impôs silêncio a todos: Fizestes – disse-lhe ele – coisas boas e coisas más, porque tendes muita inteligência e sois imperfeitos; as vossas obras durarão somente algumas centenas de anos, após o que, já possuindo mais experiência, haveis de fazer coisa melhor, só a mim é dado fazer coisas perfeitas e imortais.

Aí, então, Platão acordou.

Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 05/08/2008
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