PÂMELA (UM FILHO)

Depois que nos tornamos pais e mães, muita coisa muda. Muda dentro de cada um de nós, e geralmente muda para melhor. Em algum momento, desde o anúncio da concepção até o momento em que, em nossos braços (ou nos braços da mãe, uma vez que neste momento, assim como no momento em que o filho foi gerado, não há mais diferença entre marido e esposa, homem e mulher, pai e mãe), ele cruza pela primeira vez a porta de casa, em algum momento -e por algum momento, mínimo que seja- um filho tem a capacidade de fazer de nós pessoas melhores.

Para alguns, essa mudança é passageira, pode durar um segundo ou uma década. Para outros, entretanto, é uma mudança definitiva. Um filho pode mudar -para melhor- mais do que a vida de seus pais. Pode mudar seus pais.

Só por isso, um filho já vale a pena. Ser pai e mãe já vale a pena. Um filho tem a capacidade de desviar nosso foco. O que era importante já não é mais. O que era prioritário já não é mais. O que era fundamental, vital para a continuidade do mundo e das coisas -já não é mais. A carreira, o trabalho, as intrigas, o time do vizinho, o partido do Prefeito, a birra com o namorado novo da sobrinha, a nota baixa na Faculdade, as noites em claro, as dúvidas existenciais -tudo isso perde importância quando, de repente, os olhos do pai encontram os do filho assim, desavisadamente, sem prévia combinação, no meio de uma tarde qualquer. São os olhos do filho que apontam em qual direção o pai vai seguir.

Um filho tem a capacidade natural de diminuir muito o nível de crueldade e incredulidade que nos caracterizam, como seres humanos que somos. Ele nos devolve à nossa condição de pó, remete à nossa mais remota gênese, nos aproxima novamente de nossos pais, se ainda os tivermos. Um filho nos reflete, traz de volta uma esperança que julgávamos perdida, reaviva em nós a capacidade de sonhar, nos traz o desejo de, simplesmente, largar tudo e passar uma manhã com os pés descalços dentro das águas geladas de um remoto riacho, tentando decifrar na natureza os cantos dos pássaros -nós que nunca ligamos para pássaros.

Um filho nos reanima, nos ressuscita, permite que voltemos a crer. Um filho nos devolve a infância. Nos reaproxima de Deus.

Penso que deve haver somente uma coisa pior que a morte de uma criança: é que seus pais tenham que continuar vivos. Tenham que continuar trabalhando, dormindo e acordando, comendo e defecando, procurando lugar pra estacionar, pagando propinas, votando, falando com outras pessoas que maldizem o mundo por julga-lo "injusto". Talvez resida aí, justamente aí, na vida que continua depois que uma criança morre, a grande injustiça do mundo.

Ela, porém, somente com seu martírio de menina de dez anos teve a capacidade de unir centenas de pessoas em oração. Pessoas de vários credos, dogmas e doutrinas, que pararam por um momento para, simplesmente, fazer uma oração. Pessoas que provavelmente fecharam os olhos, se concentraram e pediram uma coisa, uma só. Se foram atendidas ou não, já é uma outra história. Mas por um momento, mínimo que tenha sido, ela fez com que centenas de indivíduos se tornassem pessoas melhores. Só por isso, já deve ter valido a pena, não?

Benilson Toniolo
Enviado por Benilson Toniolo em 05/08/2008
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