A bolsa e o coração

Escrever é uma libertação. Poder registrar em um papel ou na tela do computador a indignação crescente em meu peito, indignação esta que não pode ser vomitada em cima de quem a provocou, para que não cause enorme confusão, capaz de atingir pessoas queridas.

Escrever pode ser a tábua de salvação para todos os conflitos que estão pululando em meu ser agora, como uma enorme dor, que não é bem vinda, mas que não vai embora.

Pensar que a ingratidão se alastra como um vírus, uma doença mortal, que toma conta de tudo e de todos, que estimula e propaga cada vez mais o mal, isso me apavora, me assusta. Certos valores sufocados pela ganância, pelo egoísmo, pela falta de caridade e de sentimentos. Não há mais respeito nem afeto que não seja corrompido. Laços familiares? Qual o que? O mais importante é o lucro, não importa em cima de quem ou às custas do que. Familia é apenas um ítem a mais em uma grande lista de incômodos.

Hospitalidade? Imagina, se o que temos para comer é valioso demais o remédio é cobrarmos qualquer prato de comida, pois com essa medida ficaremos em paz. Cobremos também o uso do solo sagrado de nossa casa, afinal o que interessa realmente é o dinheiro, isso é o que todos falam, isso é normal.

Não chame para sua casa nenhuma visita em hora de refeição, não abra as portas de sua sala de jantar e, menos ainda, de seu doce lar. Visitas indesejadas, todas são.

Chegamos ao absurdo de cobrarmos um lanche qualquer, exigindo que o outro, ainda que um irmão, um relés irmão, nos pague o valor "altíssimo" de uma refeição.

Argumentos variados são apresentados. Privacidade, moda de primeiro mundo, sinceridade, etc, etc, etc.

Tempo é dinheiro e devo gastar os dois, o tempo e o dinheiro com quem possa me pagar. Comprar afeto pode, desde que o outro tenha um corpo sarado para eu poder desfrutar. Tem que permanecer calado, para que concorde com quem lhe pague, como se esse fosse um deus altamente idolatrado.

Esse é o retrato presente em tantos lares, na vida de tanta gente. Mas, quando essa podridão vira realidade próxima, em pessoas que tanto amamos, dói a alma e o coração, pois então descobrimos que os nossos também foram contaminados e tem no peito um grande nada, um bolso em lugar do tão combalido coração.

Por isso agradeço por esse pequeno espaço, no qual posso lançar meu desabafo, minha decepção. Não fará sucesso, não será admirado pela beleza ou perfeição. Apenas é um choro, um lamento, uma forma de resistir à tamanha degradação presente, cada vez mais, nessa sociedade que diz que ama e deseja Justiça e Paz.