Começa assim: eu orei as 3.30. Sem crase antes das 3,30. Mas não é um conto. É um processo  que começa. É um processo que começa sem começo, porque dura o dia todo. Eu toda oro, sem saber que estou orando. Mas  reafirmo para você: começa assim. E provo para você: Porque Deus que nunca teve um começo  teve um dia que escreveu sobre si:"no princípio." 

Acordei nessa hora, sem saber que tinha dormido. Existem dias em que a gente dorme, sem saber que dormiu. Porque dormindo continua sendo acordada. Sendo acordada é um jeito de ser, mas não necessariamente feliz. É um jeito de ser plenamente desamparada, o que também não significa ser infeliz.
 
Preciso explicar tudo para você, senão você não me entende: Ser desamparada é assim como quando o vento bate no seu rosto, o cabelo entra pela sua boca, e você compreende, naquele segundo, que o vento bate aonde quer, ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Essa compreensão súbita que não é uma lembrança, mas um "insigth", te faz  pedir uma carona, com o dedo em riste,  na liberdade desamparada do vento, como mochileira em beira de estrada: "uhuahua, vamos ver aonde este vento de Deus vai me levar."

Leva sempre para casa. Para casa vamos todos, um dia. Mas quando chegamos nesta casa, ainda queremos uma outra- tão feia nos parece essa nossa! -  E aquela, desafortunadamente, não tem vento que te leve a. Precisa de brisa, aquela brisa que fez Elias espiar pela fresta da caverna para ver Deus passar.
 
Eu já vi Deus passar. Deus nunca passa, mas para efeitos de contabilidade, Ele passa. Para que nós possamos contar na igreja: "eu quero contar um testemunho para os irmãos." E alguns irmãos desafinados como... desafinados como  nada ( chega de comparação!) para que esses irmãos só desafinados, se ajeitem melhor na cadeira, pensando assim: "lá vem mais um!"
 
Então, aquele testemunho se torna  a passada número 10.035 de Deus para você. Eu coleciono as passadas de Deus como quem coleciona jóias. As minhas jóias. Tenho algumas aqui da terra, feitas de ouro, que emprestei para uma irmã colocar no prego, porque as prestações da casa própria dela, se tornaram por assim, dizer, impróprias, para ela.  Então, para que não perdesse o teto, perdi, temporariamente, as minhas jóias. Mas também poderia escrever sem medo de ser feliz: perdi definitivamente as minhas jóias. E ainda continuar feliz. Porque aonde estiver o seu tesouro, ali estará também o seu coração. 

Como não quero que o meu coração esteja nessas porcarias, abro mão desse tesouro ( irmã, não visite este site, não leia esta crônica, não ouse conjecturar, porque eu te mato e te enterro, como um focinho de porco que não tem jóia). Pensando melhor, acho que focinho de porco não tem tomada, só isso.  Mas o meu não tem jóia. 

Perdão, irmã. Eu não deveria te julgar com base em nenhum focinho de porco, porque não julgueis para que não sejais julgados. Pelas minhas palavras posso ser condenada. Pelos meus pensamentos também. As vezes falamos tão lindo, mas pensamos tão sujo. Felizmente, Deus! Deus nos absolve, pelo sangue de Jesus, porque o sangue de Jesus nos purifica de todo pecado. Quem tem o sangue, até pode ter - eventualmente -  esses pensamentos impróprios, desde que confesse depois. Logo depois. Não deixe para depois de morrer, o que você pode fazer enquanto está vivo, porque depois que morreu: babau, já era. Jesus veio para os vivos, não para os mortos.   

Jóias. Tenho jóias invisíveis que não me adornam o pescoço. As de pescoço, sempre me foram um tormento. As de dedo, também. O dia em que o  Ivo percebeu que eu não usava aliança, já fazia uns bons 20 anos. Homem é tão desligado, mas quando se liga exige tanto da gente. Tantas perguntas, tantas explicações.  Como as marquinhas da aliança já tinham desaparecido há séculos, e eu permanecera ali, toda pura ao lado dele, compreendeu, de súbito, que a nossa aliança era superior e eterna, porque fôra firmada por Deus. Uma miudeza, daquela mesma aliança que Cristo fez conosco, um dia, não pelo sangue de touros e de bodes, mas pelo seu próprio sangue, derramado na cruz do calvário. As alianças todas nos remetem a Deus. São uma simbologia, entende? Espero que me entenda.

Esse meu Cristo, que é meu dono, acordou-me, as 3,30,  com toda liberdade. Eu o amo e dou a Ele o que tenho de melhor: o meu sono da madrugada.  Ele precisava que eu pensasse por Ele, esssas coisas que estou orando, enquanto penso, acerca da mínima humanidade,  eu que sou o menor dentre os santos. Mas aprouve a Deus revelar Cristo em mim. E por causa disso, também me ponho de joelhos perante Deus e Pai. Mas nessa hora, estou de joelhos, deitada. 

 Foi assim que Ele me acordou:  Lá da cama  ouvi o vento. Tentei pegar carona com ele, porque é gostoso, mas o corpo estava pesado e não deu. Tem horas que a gente tem o gostoso de Deus. Tem horas que a gente  tem o não gostoso. Eu já experimentei os dois, mas o duro é quando mistura os sabores. Você sabe do amargo, sente nas pupilas gustativas, mas no fim, deixa um ranço de doçura. O inverso também pode ser verdadeiro, como quando Deus disse a Jeremias: "come este rolo. Na boca te será doce como mel, mas no ventre te será amargo como fel". Deus não engana ninguém, Ele vai logo avisando. Quer comer, come. Não quer, não come. 

  Muito cedo eu descobri que  orar não é dobrar os joelhos e recitar uma fórmula. Mas também pode ser. Ore do seu jeito, ninguém tem nada com isso, cada qual tem o seu.  O meu é no claro e no escuro, os joelhos dobrados sobre o peito porque é ali que me bate o coração. Ou marchando pelo quarto, quando preciso derrubar o muro de Jericó. Aquele que Josué derrubou, desse jeito tosco: pondo o povo para marchar em volta.
 
Foi a marcha ou o louvor  que derrubou o muro? Foram os dois. Lá de cima, os jericoanos estavam assustados com as mandingas daquele povo esfarrapado. As histórias mágicas daquele povo chegaram  a Jericó, bem antes que eles chegassem.  Jericó sabia que vinha chumbo. Como, de fato. Veio.
 
Sempre que preciso de chumbo, Deus envia do Alto e faz os meus jericoanos virarem pó. Bem, menos, um pouco menos. Porque hoje, Jesus Cristo, que sempre foi o mesmo ontem, hoje e o será eternamente, hoje esse Jesus é pura graça. Não faz ninguém virar pó a não ser que o poeirento faça muita questão. 

Deus hoje pega o pó e faz dele os seus filhos e filhas. Nosso Deus é um Deus de uma poeirinha cósmica tão fina. Ai, como eu amo esse Deus! 

Hoje Deus faz do jericoano um trabalhador rural na sua seara.

Um trabalhador rural, como o meu guarda noturno. Guarda noturno não é trabalhador rural, mas o mundo é uma aldeia e a minha é bem pequena. Uma aldeiazinha, no meio da aldeiazona. O meu guarda  é o guarda de Israel mas, para  minha vergonha, o Ivo contratou um guarda aqui na terra. Que guarda o quarteirão inteirão e todo mundo comparece na hora do "rachid". Porque não sou chic como o Fausto que tem um guarda para ele, sozinho. Eu morreria de vergonha. Pelo menos, minha vergonha é coletiva  e bem mais barata.
 
Mas como eu dizia, - ou pensava - ,fui pregar na igreja em que meu guarda congrega. Uma igreja linda na periferia. Céu não tem periferia, óh glória!  Não sabia que ele era o guarda, mas assim que entrei, ele que é levita, de violão na mão, veio com aquele vozeirão, gritando alto para a igreja inteira ouvir: "irmã, eu sou o seu guarda." 

Procurei um buraco para me enfiar, mas a igreja do Senhor não tem buraco. Só tem montanha. Subi nessa montanha e gritei mais alto do que ele, para Deus e para todos  ouvirem: "você não é o meu guarda, meu guarda é o guarda de Israel." Acho que magoei o guarda.  Ele sorriu, encabulado e respondeu bem mais baixo: "pode ser". "Pode ser, não. É!" - eu retruquei. 

Naquela hora, tive certeza:  fui indelicada. Mas tinha que me dessensibilizar, porque ia pregar. Depois, ele cantou, doído, como cantava Davi, tangendo a harpa depois que Saul lhe arremessara a flecha no peito. Ai meu Deus, esse Saul fui eu! Perdão!  Tão lindo! Não teve jeito: chorei enquanto ele cantava.  As minhas lágrimas pediram perdão por mim. A Deus  e ao guarda. 

Que sono, acho que estou dormindo. Mas mesmo dormindo, vou continuar a orar. Não, sem antes, ir até a sala e escrever: Eu orei as 3,30. Para amanhã lembrar de te contar como é  o processo de orar  todo o tempo, o tempo todo, dessa maneira cotidiana, que nem parece oração, mas que é um jeito eficiente de  misturar o sagrado com o profano.
 
Porque Cristo veio como um cordeiro para morrer pelos nossos pecados e ser misturado ( e ainda assim permanecer único!)  com essa imundície que somos nós. Sentiu algum fedor? Isso é preocupante. Para os que vivem, nós somos o bom perfume de Cristo.

Fui pra sala e não tinha papel . Tinha caneta, mas não tinha papel. Escrevi na cara da Malu Mader, bem no meio da cara dela, escrevi: "eu orei as 3,30" ( sem crase foi, sem crase ficará).  Porque não tinha outro espaço. Logo acima estava escrito assim: "Quem é esta mulher?" Não faço a mínima idéia mas posso tentar descobrir. Voltei e devolvi com letra engarranchada: "Qualquer dia eu respondo."
 
Então, quando você avistar esse título no bandejão do recanto, pegue depressa  essa bandeja, se quiser saber quem é a Malu Mader que habita em cada homem e mulher desta terra. Malu Mader cinzenta  e poeirenta como a cadela Baleia de Vidas Secas. Nessa foto, até que ela estava bem gordinha. Mas, gordinha ou não,  teve um aneurisma, porque todo homem precisa se lembrar, de vez em quando, que  é pó e ao pó retornará.

Malu Mader fica para outro dia. Não esqueça: "Qualquer dia eu respondo." Vai começar assim. Como vai terminar, só Deus sabe.