DIA DOS NAMORADOS

Sábado, 14 de Fevereiro de 1998

DIA DOS NAMORADOS

Carmo Vasconcelos

Estou só! Absolutamente só, gozando a inutilidade da minha independência.

À minha volta, vozes, muitas e diferentes; cavas, agudas, sussurrantes, estridentes, formando uma catadupa de sons – a música de fundo apropriada para abafar as risadas cínicas do meu Eu inferior que troça do meu passeio incerto e sem sentido.

Saí de casa, em ânsias de liberdade, com destino a um programa calendarizado: o encontro mensal de poetas que, habitualmente, é um deleite para os ouvidos e para a alma, além de afagar o meu Ego carente; poder dizer a minha poesia é para mim um acto de liberdade, e os aplausos gentis dos meus companheiros de letras são um dos poucos carinhos que me restam.

Mas hoje, numa súbita atitude masoquista, não os quis. E, já a meio caminho, mudei de rota. Talvez porque hoje é o “Dia dos Namorados” e não o “Dia dos Poetas”. Como se a data instituída comandasse os meus sentimentos… Tal como no “Dia da Criança” ela deseja mais mimos, ou como no “Dia da Mãe” todas as mães do mundo esperam o beijo de seus filhos, neste “Dia dos Namorados” eu, como um robot programado, dou comigo a desejar receber uma flor, um beijo, ou, simplesmente, a palavra “Amo-te”.

Felizmente, onde estou, cogitando debruçada sobre uma mesa de café, o eco das conversas anónimas continua sonante, e só eu posso ouvir a voz trocista do meu Eu inferior, sussurando-me ao ouvido: “Não sejas ridícula, não tens mais vinte anos!”

Tinha pensado aquietar-me numa sala de cinema: três horas de esquecimento, tomando o lugar da heroína. Mas não achei protagonista nem papel capazes de calar a minha insatisfação. Não me apetecia nada desfrutar um romance de amor no meio de um naufrágio, ser a amante do advogado do diabo e, muito menos, ser interrompida na cama pela pistola de um espião. Nada disso!

Foi quando pensei: “Que tal ir comer um doce (dizem que é um eficaz substituto do amor), beber um bom café (far-me-á raciocinar com mais lucidez) e fumar um cigarro long size (quilómetros de prazer)?…

Nada mais acertado! Depois de saborear os anestesiantes substitutos, deu para constatar que, afinal, não estou só! Tenho comigo a minha inseparável caneta, companheira de todas as horas, a minha confidente sempre disponível que, imaginem… Ao adivinhar-me triste, ganhou movimento próprio e pôs-se a escrever para mim: “Amo-te, amo-te, amo-te!”

O dia de todos os desejos, finalmente chegou ao fim! Respiro, aliviada. Amanhã será um vulgar dia sem rótulo, desses que nada relembram, nada prometem, mas… quem sabe? Tudo podem trazer!

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Carmo Vasconcelos
Enviado por Carmo Vasconcelos em 06/08/2008
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