O Amor Está Escondido

“A sociedade de atual enterrou para sempre o amor! Não o vejo nas pessoas. Hoje em dia ninguém quer se envolver de verdade. Sentimento em extinção, ele não está mais por aí. Talvez eu seja o único que ainda se sujeite a sofrer por ele. Você não acha Fábio?”

Em uma paráfrase, no mínimo questionável (culpa da memória ineficiente), foi isso que me perguntaram ontem em uma mesa de bar. O dono da frase em questão, trata-se de um amigo de longa data, apaixonado, levemente romântico e descrente por não correspondido. Não, eu respondo. O amor não está sepultado e naufragado abaixo de sete palmos de terra. O amor, meu caro amigo, existe, mas está escondido.

Escondido nos lençóis, usados e ainda quentes; na penumbra de um sorriso que se despede e vai embora. Nas cartas esquecidas no fundo de uma gaveta; nos breves sinais de posse, escondido está o amor. Nas figuras de linguagem: metáforas e sinestesias; entre o primeiro trago e o último gole e disfarçado nas cores de um batom. Vigiando pelo buraco da fechadura; e sussurrado aos ouvidos de alguém, em noite de qualquer céu. Escondido em sonetos de rimas pobres ou preciosas, em versos decassílabos ou alexandrinos; lá no alto, no baile das nuvens, estrelas e demais astros. No horizonte e na horizontal; no poder e no prazer; na liberdade vigiada; em um beijo em todos os beijos; no adeus até amanhã; na sina e nos sinais; entre o pano e a epiderme; na distância logo ao lado, o amor se escondeu. Nos versos de “Sete Cidades”; em “Mariana” de Jorge Amado. Espalhado pelo vento, misturado à poeira fina e folhas secas. Camuflado no detalhe; engasgado em algumas palavras e tropeçando em alguns gestos, o amor segue se escondendo. Nas peças de roupa espalhadas pelo chão; na sanidade de um louco e na loucura da razão. No perfume de um edredom; nos rituais sem regras; nas curvas de porcelana de um corpo nu é onde ele está escondido. O amor repousa em travesseiro fofo e dorme enquanto o mundo cai. Não! Ele não se encontra necessariamente nas provas de “amor”, ou nas juras de “amor”, mas sim no sótão das ideologias; jorrando e escorrendo pelo ralo; ascendendo ou recuando com o andar dos ponteiros e passar das estações. Nas tintas de uma caneta; em letras garranchadas e apressadas; pichado nos muros: fulana eu te amo! Caminhando de mãos dadas pelas ruas com outro amor está o mesmo amor. Na saliva atrás da orelha; no borrão inconveniente em um pescoço, nos arranhões que marcam as costas. Caminhando nos fios do telefone; está no sereno da noite e uivando para a Lua, está no cinza de um dia frio procurando um lugar ao sol. Sei que os velhos discos e diários, esconderijos são, do amor. Não está no coração, lá já foi muito procurado, discreto e fugitivo migrou para outro lugar. Um pouco à cima do abdômen é que se esconde o tenro amor. Em sonhos e tentações; no porta-retrato na cabeceira de uma cama. Sobretudo nas reticências, entre parênteses, ausente de aspas, sem vírgulas e na exclamação, escondido o amor está.

E escondido o amor se encontra, zanzando por aí como um indigente. Disfarçado de amizade, carência, ou compaixão, ele bate de porta em porta. Não implorando um sorriso, ou mendigando reconhecimento, mas sim procurando um lugar quente e tranqüilo pra ficar... Ficar... Crescer... Até talvez cansar e se despedir. Andarilho por condição, perseguido por natureza, escondido está o amor.

Que o amor está escondido pode ser surpresa para os desinformados, motivo de dúvida para os desconfiados, de revolta para os céticos e de preocupação para os ressabiados, porém o que não me surpreende, é com tantos indícios meu amigo, meu grande amigo não ver o amor. Afinal de contas ainda nos dias de hoje, o mesmo amor de outrora, continua cego como sempre.