Garota Da Rua De Baixo

Esses escritos são mais do que uma simples crônica, mais do que um amontoado de letras, palavras e frases, devidamente separadas por pontos, vírgulas e espaços, como manda a semântica a sintaxe e as demais regras gramaticais. Tampouco, esses escritos, ordenados de forma tão tardia tendo em vista o seu grau de importância, são uma mera carta de agradecimento ou de contemplação. Esses escritos, amigo leitor, são na verdade um tratado, um breve tratado sobre um sentimento às vezes controverso e motivo de delírios e preocupações, um sentimento por esse cronista sentido, exclusivamente pela garota da rua de baixo.

A garota da rua de baixo é linda, tem cabelos longos, sotaque mineiro, sorriso fácil e uma qualidade que é difícil de medir: ela me faz rir. Não quero me gabar ou correr o risco de parecer arrogante e convencido aos olhos alheios, mas cá entre nós, o que torna tudo isso ainda mais fascinante é o fato de ser recíproco.

Nos conhecemos como manda o figurino de qualquer uma dessas grandes histórias de final feliz. Em uma festa de criança, num almoço de domingo de dia claro e sem nuvens. De lá pra cá não fiquei um dia sequer sem pensar nela. Descobri os seus trejeitos, trocamos alguns segredos, rimos (muito), alçamos vôos e aterrizamos, ora em solo fértil ora em ruínas, mas sempre decolamos novamente. Até que um dia trocamos três palavras: “EU AMO VOCÊ”. Assim, nessa ordem...

Parece que não, mas é complicado conciliar essas três palavras em uma única frase. Pelo menos pra mim. Talvez pela falta de prática (essa é a hipótese mais sensata) me provocou estranheza aos ouvidos e à fala, pronunciá-las em um primeiro momento. Mas disse com sinceridade. Disse. Com todas as sílabas. Eu-te-amo. Pela primeira vez.

Agora que já faz um ano que estamos dividindo o mesmo sentimento, é até cômico depois de viver 20 anos sem ela, não me imaginar mais sozinho. É que me acostumei com carinho e o abraço quente; com os filmes e os seriados de TV; com a companhia, simples companhia; com os beijos, os Beijos e os BEIJOS. É que me acostumei com a sua voz alegre ao ouvir “Till There Was You” música de janela, cartola e serenata; com a sua censura às avessas; com os lábios que minha boca marca enquanto sorriem.

Por isso garota da rua de baixo, peço que todas as noites sejam da grande paz, da grande paz dos seus olhos*, olhos castanhos, cor de madeira molhada, olhos que dizem, que sorriem, que sei que volta e meia choram escondidos, e o mais importante, que encontram tempo para me olhar em meio a multidão, quando nem eu mesmo me vigio.

* Título da segunda parte da obra “Capitães da Areia” (1937) de Jorge Amado, quando o personagem Pedro Bala se descobre apaixonado por Dora.