Aberta temporada de caça ao pato!

Nesse exato momento, em que eu passava margarina no pão, lembrei da temporada de caça ao pato e essa lembrança se encaixou perfeitamente na nostalgia da noite passada.

A temporada de caça ao pato já me alegrou muito e não pense que eu sou uma anti-protetora de animais! Eu jamais mataria um pato! Juro!!!

Mas que me alegrou, me alegrou.

Mas não vamos falar de patos... Nem mesmo de caças... Vamos falar de infância. E nesse momento é que pretendo conectar todas as pontas soltas. Provavelmente alguns já sacaram qual é a ligação de tudo ou não, e realmente espero que não porque o melhor de tudo é o impacto. E se não houver impacto, não tem problema. Isso aqui não passa de um desabafo mesmo.

Quando me deitei parar dormir fui surpreendida com lembranças que juro, não voltavam à minha mente há anos! Foi estranhamente gostoso relembrar tudo aquilo e sentir uma saudade tão grande de cada momento vivido naquela época. Que época? Época em que eu tinha idade menor que 6 anos, suficiente para entender o que seria perder um pai, o bastante para ser rejeitada pelas primas e a idade perfeita para aprender a subir em uma árvore.

Ah, a árvore! Acho que aquela árvore foi o meu primeiro sonho de consumo. Antes de falar sobre ela, devo descrever o lugar.

Todo final de semana, eu, meu pai, minha mãe e meus irmãos íamos para a casa de meus avós e lá era o destino de todo o resto da família. Família grande, reunida numa mesa grande, com um leitão grande e um papo grande! E lá fora, depois da "ruazinha" de areia, ao lado do "banquinho" de madeira... Havia uma árvore grande.

Vi todo mundo subindo nela, me fazendo passar vontade enquanto brincava sozinha após mais uma tentativa de interagir com primas e primos. E eu alimentei o sonho de ficar pendurada naqueles galhos igual macaco. Tentei por dias... dias e dias... E não dava certo.

E então chegava a noite e a noite naquele lugar me assustava. Tinha uma parede de rostos atrás da TV. Eram muitos quadros para uma parede só e aquelas fotos antigas eram horríveis. O som do silêncio e o escuro lá fora era tortuoso. Todo mundo sentado, olhando a TV e sabe Deus se estavam realmente prestando atenção ao que passava: essa era a cena constante. Eu jogava baralho, dominó, ia para o quarto torturar a boneca e voltava para a sala vendo todos hipnotizados pela "caixa de luz" em cima da estante.

A mesa comprida ficava na sala porque era tão comprida que não caberia na cozinha. Mudou diversas vezes de lugar até voltar ao local de sempre.

Certa vez, eu ali sentada comendo um grande prato de comida sofri um atentado terrorista de um bezouro que se enfiou em meu ouvido.

Resultado: febre por 1 semana e lavagem no ouvido.

Mas esse é um caso à parte e não convém discorrer sobre ele.

Dormiamos tranquilos! Não sei os outros, mas eu... sonhava com os anjinhos e com a árvore lá fora. Pela manhã uma luz calma entrava no ambiente. No teto não havia forro e então a luz invadia toda a casa de uma forma explendorosa. Galos e galinhas fazendo festa no quintal e novamente a colônia (sim, era uma colônia) tomava seu rumo.

Crianças na areia lá fora adquirindo mais anticorpos.

Adultos dentro da casa automaticamente executando o mesmo trabalho de sempre: café da manhã, lava a louça, limpa a casa, mata o porco, faz o almoço, lava a louça e limpa a casa de novo (areia né? sabe como é!), faz o jantar, todos comem, lava a louça, fecha a casa, vê TV e dorme).

Eu olhava a árvore, ela me desafiava e eu novamente tentava subir nela. E vejam só, um dia enfim consegui. E ali era meu reino.

Ali minhas primas não me ignorariam...

Ali meus avós não me ignorariam...

Ali eu era única e sozinha como sempre, mas dentro do lugar que escolhi estar.

E o movimento lá dentro da casa continuava. De longe eu ouvia o som da gargalhada de cada um e me intrigava, a vontade de descer aumentava e a curiosidade de saber o que era me consumia. Mas, como descer?

Eu até então tinha aprendido a subir, mas a descer...

Vai de qualquer jeito mesmo.

E lá estavam todos reunidos, conversando e era uma paz que ninguém tem idéia. Eu me sentia tão feliz e como pude por anos esquecer dessa sensação!?

Hoje... A árvore ainda está lá. Não sei se ainda saberia subir, mas de uma coisa sei... Hoje ela não é tão grande como era antes. Porque eu cresci e meus sonhos cresceram e agora é dificil me encaixar em algo tão pequeno.

E junto com a árvore de sonhos pequenos, onde um dia fui dona e reinei, ficaram casa, areia e família por um bom tempo.

Depois dos 6 anos, quando papai foi embora para algum lugar desconhecido, a família se fragmentou. Cada um foi para um lado e ainda se reuniam, mas agora esqueciam de nos convidar. Acho que pensaram não ser mais meus avós, tios, primos e até madrinha e padrinho por não ter mais vivo o vínculo entre nós.

Os anos passaram e junto à árvore não restou nem família. Hoje literalmente cada um está em um canto. Cada um em uma cidade diferente e não se toca mais nesse assunto. Não se fala mais em passado e nem se sente nostalgia da forma que senti.

Adeus árvore...

Adeus casa...

Adeus areia...

Bem vinda família...

Não importa quanto tempo passe... Nem mesmo o que não está mais vivo...

Nada vai apagar o que foi importante pra mim.

Ah, o pato? Estava apenas me lembrando do desenho do pernalonga... Temporada de caça ao pato!

Patolino... coitado!!!