Coisas da Cidade Grande

A vida é um bicho estranho. Isso eu digo sempre. Não só a vida, aliás. O cotidiano é estranho. Vejo pessoas reclamando de como os os dias são iguais e tudo é sempre repetitivo, cíclico, mas prestando atenção, pode-se ver que existem muitas coisas que diferenciam, tanto para melhor ou para pior, o dia corrente. Hoje, a diferença foi significativa. Um dia normal de aula, no centro de Porto Alegre. Poucas horas de sono, e toda a maratona até o curso. Tudo quase normal. Aulas, normais. No intervalo já pensava no que comer e beber, só pra inquietar o estômago até o almoço tardio já em Gravataí, e entre isso besteiras faladas com os amigos. É incrível como nosso humor é modificado pelo meio tão rapidamente. No instante que vi, aquela pessoa, estirada ao chão, imóvel. Um homem da SAMU (serviço médico da região) tentava reanimá-la com uma massagem cardíaca. Que algum tempo depois, foi considerado em vão. Ainda naquele instante, perdi a fome, e todos os pensamentos outros que rodavam em minha cabeça. Tudo sumiu. Não sabia eu dizer como era a pessoa, não tive coragem de ver, mal sabia que era uma mulher. Com minha usual lata de Coca em uma das mãos, vagava pelo vale das possibilidades. Pensava nas coisas que ela poderia ter feito, dos sonhos não realizados, feitos não concretizados, todas as coisas que agora não importariam mais. Aquilo que ela carregava consigo agora não tinha mais significado, nem seu corpo. Foi a primeira vez que vi a morte tão de perto. É assustador ver a morte caminhando entre as pessoas próximas, no rosto atordoado ou triste, no riso frenético para disfarçar o nervosismo, na falta de ação, no choro comprimido, alguns ainda passando mal com toda a situaçao, ou até no total descaso. Vê-la ali, faz refletir sobre a vida, os atos, os erros, e o que há pela frente, e as coisas a serem feitas, conquistadas. O que nos prende é um fio de inevitabilidade, que temos a certeza que se romperá, mas por mais que seja dito não acreditamos, não aceitamos, não achamos que irá de fato acontecer, e nunca, de maneira alguma, estamos preparados para recebê-la. Sei que minhas palavras podem ser confusas, são até pra mim. Os pensamentos que passam, tento colocar aqui, mas nunca de forma fiel, nem sua maioria, mas isso de nada importa. Que a vida da senhora tenha sido proveitosa, e que o futuro incerto, existente ou não, seja tão bom ou melhor do que aqui foi. Se a vida é um bicho estranho, tal é a morte e seu mistério.