DINHEIRO NÃO ACEITA INJÚRIA.

ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.


Sinceramente, não sei se a frase é minha ou se a ouvi por aí. Mas seja como for, o que conta é o espirito da letra: dinheiro não aceita injúria mesmo! Faça pouco caso dele hoje, gaste-o agora de maneira frívola e irreponsável, e um dia, no futuro, receberá a cobrança pela injúria com que o tratou. A conta irá parar na sua casa, e o encontrará aonde você estiver: alguns na metade da vida, outros no fim, outros no pós vida. Quem já não ouviu a famosa frase: "meu avô foi dono de tudo isso?" E se foi o bisavô, cujo envolvimento afetivo não tenha alcançado o bisneto, poderá ser assim complementada " que velho burro, jogou tudo fora."

Claro que não se inclui aqui a minoria de privilegiados que podem sair por aí rasgando dinheiro sem a menor preocupação com o futuro. Mas até mesmos esses, podem ser surpreendidos como exceção, em meio às suas regras nababescas. Uma exceção no meio delas foi Jorginho Guinle. Ele mesmo admitiu que gastou tudo com festas, viagens, mulheres e esqueceu-se de reservar um pouquinho para o final da vida. Que prolongou-se a ponto dele depender de favores dos amigos. Jorginho acabou por nos deixar uma lição, a todos ricos e pobres, bem ou mal nascidos.

Este artigo não foi escrito para esses ricos, foi escrito para nós, classe média e classe baixa. Essa questão de divisão em classes sociais é flagrantemente escandalosa, desde o tempo da Revolução Francesa, mas ela existe. Somos todos compartimentados dentro do sistema financeiro mundial.

Hoje a mobilidade social além de mais frequente é recebida com discrição. O pobre pode ascender e ser recebido no mundo dos novos ricos, sem grandes discriminações. Antigamente, não era assim. Estava escrito na sua cara: você é pobre de marré de si e para adentrar ao mundo dos ricos tinha que exibir a carteira, o dinheiro e a pose.

Lembro-me que éramos recém casados, Ivo e eu, e fomos à Foz do Iguaçu, pela primeira vez. Sem filhos, um dinheirinho bom no banco, escolhemos o hotel mais bonito que encontramos, e nos encaminhamos, despreocupadamente, para o balcão de recepção. À nossa pergunta se havia vagas, a recepcionista respondeu sem a menor cerimônia: tem vaga, mas a diária é X. Ou seja, ela viu na nossa cara, que éramos dois pobretões tentando usufruir de um lugar que, naquele momento, não nos pertencia.

E nós nem nos ofendemos. Entreolhamo-nos supresos, agradecemos, viramos as costas e saimos rindo da humilhação. A diária era cara mesmo! Mas nós tínhamos condição de ficar ali. Por que não ficamos? E por que não nos ofendemos com a moça? Por que brincamos um com o outro dizendo que a culpa era da camisa velha dele ou da minha blusa amarrotada?

Porque havia embutido em nós o sentimento de que, o caro e o barato, depende muito menos de dinheiro e muito mais de bom senso. Não seria sensato torrar aquele dinheiro todo em uma única noite. Como continua não sendo sensato torrar o dinheiro todo em uma única vida. Mesmo que você não deixe herdeiros. Ainda que os beneficiários não sejam de seu sangue, sempre haverá pela humanidade afora uma boa causa em que investir. Investe-se aqui e recebe-se com juros no céu. É assim que penso.

Fomos para um hotel mais barato. De repente, aquela moça, nos despertou para a fogueira da nossa vaidade, recém inaugurada, e nos ajudou a apagar o fogo que já estava aceso. Aprendemos que menos pode ser tão bom quanto o mais, e custa metade do valor.

Aquela viagem acabou, mas o bom senso, felizmente tem-nos acompanhado vida afora. Não fizemos extravagâncias quando podíamos fazê-las e muito menos agora quando não podemos mais.

Eu creio que hoje- mais do que nunca- é um tempo em que os homens deveriam examinar muito bem o que fazem com o seu dinheiro. E as mulheres deveriam ser parceiras na hora de administrar as finanças do casal, mesmo que cada um deles tenha a própria independência.

Minha experiência de vida me autoriza a dizer que cabe a nós mulheres ter compaixão. Apenas isso: ter compaixão. Ter compaixão diz tanto, não é verdade? Pode-se ter compaixão pelo mendigo que passa à frente da nossa rua, mas pode-se ter compaixão também por aquele que recebeu a sentença genérica no Éden e que está ao nosso lado. A sentença prolatada foi pesada, e nós estávamos incluidas nela: " porque deste ouvidos à voz da tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa: em fadiga obterás dela o sustento durante os dias de tua vida."

De alguns anos para cá a maturidade me trouxe mais despojamento. Aprendi a me virar sozinha em muitas coisas, nas quais dependia de ajuda externa, e consequentemente, hoje, dependo de menos dinheiro para as minhas necessidades básicas. O básico passou a ser apenas isso que é mesmo: básico. Paradoxalmente, não me tornei mais apegada ao dinheiro. Eu não como dinheiro. Mas a consciência de que nos avizinhamos de dias maus me fez minimalista.

Ontem uma manchete no site do UOL me chamou atenção: O secretário do Departamento de Bem Estar Social do Estado de Bihar, na Índia, recomendava aos cidadãos pobres daquele país que poupassem grãos, comendo ratos. Vijay Prakash disse que "depois de muita pesquisa e muito trabalho de campo", chegou-se à conclusão que ratos têm muita proteina e matam a fome.

E eu depois de "muita pesquisa e muito trabalho de campo" cheguei à conclusão de que não se deve gastar com o filé mignon de hoje o rato que talvez, você tenha que comer amanhã. Ou seja, pelo andar da carruagem, pelos sinais apocalípticos que a natureza nos envia, faltarão ratos.