O PARTO DA PORCA.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.
Estava bem perto do chiqueiro de porcos, quando ouviu o grito. Era um grito de fêmea. Sabia, porque sabia, que era um grito de fêmea. Rápida inventou um pensamento: "a porca grita porque está morrendo." Pensamento que se decompôs quando - ao invés da morte- viu a vida, a vida brotando das entranhas, e se derramando rasteira pelo chão. Seis ou sete, eram muitos porquinhos engomados, que mais pareciam filhotes de ratos porque eram pequenos e repugnantes.
- Eu vi, eu vi, a porca arrebentou, tá saindo um monte de ratinhos lá de dentro. Eu vi! Gritou para a mãe, que trabalhava lá dentro na velha máquina de costura.
A mãe, imediatamente, mandou que fosse logo para dentro de casa e ela obedeceu. Saiu correndo, como se ameaçada por algum perigo real. Mas já era tarde.
A vida. A vida, libertando-a da teia de aranha secreta para prendê-la com ferros. O coração batendo em cada pensamento, sempre supondo, mas tendo cautela. E agora, sem cautela, o que faria? Era toda desamparada.
Naquele dia, o primeiro encontro imprescindível com a maternidade biológica: os porquinhos não eram trazidos pela cegonha. No trabalho de parto da fêmea, defrontara-se com um dos mistérios do mundo: a necessidade que têm as coisas de serem criadas.
De repente, o olhar bondoso da mãe, comprometido pelo pecado, a santidade violada. - Então foi assim?- Ela pensou. Do meio das pernas e não do bico da cegonha? Ela se perguntava.
Teve medo, curiosidade e vergonha, mas permaneceu calada.
-Não devia ter-se distraido, tanto lugar para brincar: havia o pomar! E havia o depósito com tantos sacos de arrroz, uma montanha para subir e descer quando quisesse. - Por que fora ao chiqueiro, por que? Por que?
Desprotegida, percebeu que há um longo tempo, tudo já existia, e, para compensar a descoberta, o jeito agora era distrair-se com qualquer coisa. Mas com qual coisa?
O mundo se tornara cinzento como aquela massinha que se mexia, saindo da porca. O que descobrira vinha mesclado de um sofrimento leve e interrupto, como uma dor de barriga que dá e passa, que dá e passa, e assim permanece o dia todo. Não adiantava espremer, a dor de barriga não passava e nem saía. No intervalo das dores, ela disfarçava. Assobiava uma cantiga, que a assobiar aprendera, justamente no dia anterior. Era um assobio fraco como o gemido da porca. De longe, ouvia.
E assim passaram as primeiras horas, um martírio a passagem do tempo, querendo libertar e ao mesmo tempo reter a informação que lhe chegara sem que houvesse sequer perguntado.
Agora, agora que já sabia, a descoberta lhe era, ao mesmo tempo, súbita e permanente, e dessa maneira confundia-se toda, nesse movimento de voltar, enquanto ia. Como se caminhasse de costas.
Fechando os olhos, e balançando a perna direita, cruzada sobre a esquerda, via-se mocinha e a esse pensamento concedia-se tranças longas como Rapunzel. Desejava presentear-se com essa alegria. Mas óh!!! Subitamente entendia que a paz não dependia de um corpo, mas da compreensão das pessoas que, olhando para ela lhe dissessem com bondade: - "deixe-a, ainda é uma menina."
Então lhe parecia que, para o perigo que a espreitava, só havia uma solução: encher-se de coragem e crescer, abandonar as descobertas confusas e de olhos abertos conhecer a verdade sobre o mundo todo. E finalmente poder dizer: - Eu sei, seu sei! Eu sei como nascem os porquinhos, os cachorrinhos, os bezerrinhos e os bebezinhos.
Por enquanto era só isso que sabia. Eles já lhes nasciam prontos. Por enquanto.
Essa idéia clara e límpida, quase lhe cabia na palma da mão. Só o corpo, o corpo lhe pesava em perplexidade, e parecia ter subitamente crescido desengoçado e indeciso, como bezerro depois do parto.
Mas o que acabara de nascer, naquele dia, foram doze porquinhos.