SEJA BURRO, É A SALVAÇÃO

“Take thy beak from out my heart,

And Take thy form from off my

Door!

Quot the Raven,“Nevermore”

Os versos acima de Edgar Allan Poe, no nosso idioma, diz o seguinte: Tira o bico de meu coração, tira o corpo da minha porta! Disse o corvo: “Jamais”.

Deveras interessante uma conversa, tempos atrás, entre o dramaturgo Nelson Rodrigues e o articulista da Globo, Arnaldo Jabor via telefone astral, que eu grampeei. Nelson no céu e Jabor na terra, tratando de assuntos ligados à política e a cultura do país. No final da conversa, quando Jabor indaga do próximo telefonema de Nelson, eis aesposta: “Sempre que você começar a escrever coisas metidas a profundas, eu telefono. Assuma a sua ignorância, sua cretinice de brasileiro. Não seja inteligente, rapaz; seja burro, seja burro. É a salvação!” ( pelo teor do telefonema, o dramaturgo continua bem informado).

Já que o conselho não foi dado à mim, feito um corvo metido a besta, imigrado do hemisfério Norte, já que deste lado da linha do Equador, o que bica é urubu, aqui deste espaço, gostaria de contrariar o finado Nelson e mandar ver umas perguntinhas do tipo “papo cabeça” dirigidas ao ilustre finado, indagando o seguinte: Está vossa mercê no Inferno ou no Céu? Se no Inferno, responda: ele é tão ruim como se apregoa ou é que nem o pintado por Fran Angêlico em o Juízo Universal (1430) e está exposto no Museu de São Marcos, onde até a turma do caldeirão do diabo é retratada com um ar de despreocupação e felicidade?

Se no Céu, por conta de temas ligados à minha formação andei no encalço do monge inglês Wynfrid, conhecido por São Bonifácio, queria saber se foi o papa Gregório II, lá pelos idos de 717, que o incumbiu da evangelização na Alemanha, onde foi fundado bispados e mosteiros e se esse movimento foi entregue à direção de Roma. Se puder fazer um favorzinho pra mim e se no Céu o finado estiver, numa de suas andanças por ai, encontrar com o Gregório ou com o Bonifácio indague essa história direito, fico-lhe agradecida.

Também tem um santo espanhol , que gostaria que vossa mercê tivesse um dedinho de prosa, é o tal do Isidoro de Servilha, que foi canonizado em 1598, e proclamado doutor da Igreja, autor da obra “Etimologie”, verdadeira enciclopédia, que reúne os ensinamentos latinos em todos os ramos do saber e por onde andei “quebrando a cabeça” porque precisava entender, também, que “o filosofar é uma tentativa de lembrar, de resgatar os grandes insigts da sabedoria que se encerram na linguagem comum”.

Não sei se no Céu é aquele eterno “nada fazer”, pelo sim, pelo não, só mais uma incumbência pra vossa mercê, conversa também com o santo francês São Francisco de Sales, fundador da Ordem da Visitação, e conta depois pra mim essa história que expôs aos leigos da forma de conquistar a vida perfeita.

Ah, deixa pra lá, tô querendo saber demais, vou é cuidar de reler o “Santo Inquérito” de Dias Gomes, sem antes verificar se os meus telefones não estão grampeados, nunca se sabe, né? Já pensou se alguém está interessado em saber “ se como carne em dias de preceito; se mato galinha com o cutelo; se como toicinho, lebre, coelho, polvo, arraia, aves afogadas, se tomo banho às sextas-feiras. Se me enfeito e quanto tempo levo me enfeitando” .

PS: Senhor finado Nelson: qualquer resposta que me for concedida, que seja feita através do Jabor. Desde já os meus eternos agradecimentos.

Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 16/08/2008
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