ADEUS DORIVAL CAYMMI

 

            “Tia Ângela venha ver, Dorival morreu”. Senti um aperto no peito. Acho que ando muito sensível nos últimos dias, mas adoro a família Caymmi. Como não ser apaixonada pelo jeito baiano de ser de Dorival? Tenho sua obra completa, presente de meu esposo. Apesar de gostar de todos, ele e Danilo são meus favoritos. Ainda chorando a morte do pai lembrei de um incidente ocorrido em meu casamento protagonizado por seu filho Danilo. Aquele pecado moreno.

Lembrei que outro dia li uma crônica de Mônica Melo “Te trai pelos sentidos” e na ocasião recordei deste episódio envolvendo o Danilo, ocorrido no dia dos namorados, no início da década de 90. Na hora pensei em escrever uma crônica, mas esqueci. Hoje voltei a lembrar do tema e resolvi escrever. Como já disse anteriormente eu adoro a família Caymmi, e o projeto 6 e meia estava trazendo para Mossoró Danilo, o meu predileto. Como era dia dos namorados meu esposo resolveu me presentear com entradas para o show.

            Eu vibrei de alegria. Era o melhor presente que eu poderia receber.  Feliz da vida fomos ver meu ídolo, eu, ele, Sunally (minha cunhada) e Vicente,  seu esposo. Cantei o show inteiro. Deixe-me embalar por cada música. Todas cantadas/feitas para mim. Fui Teresa, Gabriela, Marina, fui a alegre menina a mergulhar nos mares baianos; estive com ele o tempo inteiro.  O show foi lindo. Danilo é super simpático. Desceu do palco, veio até o público e pude dar um rápido abraço, eu estava na primeira cadeira da primeira fila.

            Terminado o show fomos jantar. No caminho minha cunhada perguntou: - Ângela você viu que pernas aquele guitarrista tinha? Inocentemente respondi: - Não, só tive olhos para Danilo. O tempo fechou. O esposo de minha cunhada e o meu perguntaram se queríamos ir para o hotel onde eles estavam; ainda em tom de brincadeira respondi que não, pois com certeza eles não iam querer ficar só conosco, mas se houvesse a menor chance com certeza eu iria, minha cunhada, mais besta que eu para rir, já nem conseguia falar de tanto que ria. Foi meu erro. Ele fechou a cara e disse que nunca imaginou que ia viver para ouvir “sua mulher” dizer que estava interessada em outro homem em sua cara. Era tudo tão ridículo que eu não conseguia fazer outra coisa senão rir. Quanto mais eu ria, mais ele se irritava.

            Chegando ao restaurante resolvi contornar a situação. Salvar a noite que começara tão bem. Mas não tinha mais solução. Os homens estavam irritados demais. Para piorar a situação havia um telão no restaurante que exibia um show de Elba Ramalho. Mal chegamos eles tiraram Elba e colocaram Danilo; não me segurei, cai na risada. Nem precisa dizer que fomos para casa sem jantar.

            Passei o resto da viagem em silêncio. Rindo internamente do ridículo da situação. Acordei cedo e quando fui dar um beijo de bom dia ele me olhou e perguntou: tem certeza que é a mim que você quer beijar? Ai perdi a paciência e respondi: é, já que Danilo não está aqui. Levantei, arrumei a bolsa e preparei-me para voltar. À noite quando ele chegou eu estava em minha rede ouvindo Danilo. Ele começou a rir e nunca mais falamos sobre o assunto.

            O que era para ter sido um presente inesquecível (e para mim foi) tornou-se motivo de uma briga sem sentido. Mas Danilo ainda faz parte de nossas vidas. Outro dia ele chegou de viagem com um pacote e entregou-me: olhe se você gosta, nem sei se você já tem, pois pedi, mas nem olhei a capa para não ver a cara dele; sabia tratar-se de um cd de Danilo. É sempre assim, ele compra, mas não escolhe. Para mim o importante é que continuamos casados e eu livre para curtir meu baiano/carioca de voz maravilhosa!

            Danilo, hoje eu queria poder segurar sua mão e enxugar suas lágrimas. A morte de seu pai é uma dor do tamanho do Brasil, que aprendeu a amar e respeitar o nosso Dorival, que além de todo talento ainda nos presenteou com você, Dori e Nana, todos donos de vozes maravilhosas . Não é apenas a Bahia que está de luto, mas todo o País.

Dorival, hoje a jangada voltou só... E não é só a moça de Jaguaripe  que chora de fazer dó, somos todos nós, seus fãs, desolados por sua partida. Por isso  nos despedimos cantando seus versos: “Uma incelença entrou no paraíso//Uma incelença entrou no paraíso//A-deus, irmão, adeus//Até o dia de juí-zo//A-deus, irmão, adeus//Até o dia de juí-zo.  E se é da Bahia que você vem fazemos isso na velocidade baiana, lento, lentamente (ou muito lento) e Dorival Caymmi... para tê-lo conosco um pouco mais.

 

 * Imagem pesquisada no Google.

 

Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 16/08/2008
Reeditado em 17/08/2008
Código do texto: T1131433
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