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EM SÃO PAULO, O DIA TEM MAIS PRESSA.
 
As pessoas andam muito sérias e tristes. Venho observando isso há algum tempo. As preocupações com os compromissos da sobrevivência têm lhes devorado a capacidade de sorrir. Mais ainda, estão perdendo a capacidade de olhar e ver, seja o outro, seja um lugar, seja algo diferente. Parece que todas estão ligadas num automático, a duzentos e vinte por hora, numa tomada de duzentos e vinte watts. 
 
Acordam pela manhã, mal se alimentam e saem correndo para não perder a hora. Estão irritadas e nem se dão conta de que estão sobrevivendo. Dependendo da cidade onde se mora a distância da casa ao trabalho é o primeiro grande desafio do dia a ser cumprido. Somando-se à distância a ser percorrida surgem outros tantos desafios como, a eficiência no trabalho, as metas a serem cumpridas, um almoço devorado em poucos minutos, etc. As vinte quatro horas do dia é muito pouco para cumprir todas as tarefas e ainda poder ter um momento de descanso. Para piorar, trabalha-se como um americano e ganha-se um salário chinês.  Como sorrir depois de um dia tão tenso. É difícil. Quase impossível. Um verdadeiro pecado cometido pelos poucos mais ousados.
 
Estive em São Paulo por vários dias. E nesses dias passei muitas horas dentro de trem, ônibus e metrô. Nunca na hora do rush, pois não necessitava de utilizá-los nesses horários.  E essa minha observação passou a urrar. Pessoas transitando pelas escadas do metrô como se fosse uma grande massa de gente, sem sequer se olhar nos olhos. Bem que eu tentei. Mas a pressa e a vida acontecendo internamente não permitiam nenhuma troca de olhares. Nem mesmo os vendedores dos bilhetes olhavam nos olhos. Uma voz quase virtual dizia o preço e os bilhetes eram entregues.
 
Isso ficou ainda mais gritante para mim, quando numa das vezes em que viajava num desses trens de metrô ouvi risadas alegres vindas do fundo. Ao verificar quem manifestava tanta alegria, pude perceber cinco jovens adolescentes, calouros de alguma faculdade brincando como os seus colegas “bicho”. Percorri como os olhos todo o vagão e ninguém mais sorria. Nem se davam conta dessa alegria.  Algumas pessoas estavam rendidas ao cansaço e dormiam e as outras com os rostos fechados e sérios. Pensei, com certa tristeza - esses meninos mal podem imaginar que seus sorrisos serão roubados em bem pouco tempo e desejei a eles o máximo de alegria possível.  
 
E ali, olhando o contraste da alegria e do cansaço, tristeza ou qualquer nome que se possa dar a esse tipo sobrevivência a melancolia tomou conta de mim. Pude até desculpar as pessoas, quando uma moça entrou com uma criança no colo e ninguém lhe cedeu o lugar. Alguns fingiram não vê-la, outros não a viram mesmo. Somente depois de algumas estações uma senhora de idade cedeu o assento para ela. Em outro lugar e momento eu chamaria isso falta de consideração, educação ou coisa parecida. Mas ali, naquele vagão, naquele horário, eu não podia condenar ninguém. Imaginei as pernas cansadas de alguns, depois de terem trabalhado o dia inteiro de pé e ter percorrido muitas quadras para pegar a condução. Imaginei outros saindo às quatro da manhã para trabalhar e agora às dezesseis horas o quanto estavam exaustos. Estavam todos perdoados.
 
Olhando mais profundamente para aquelas pessoas não pude deixar de pensar se nos seus dias existia algo além de compromissos, como os sonhos, amizades, amores. Se elas ainda sabiam olhar e ver o sol nascer no amanhecer, contar as estrelas, extasiar com a lua ou mesmo perceber um avião desenhando nuvens com sua fumaça no céu azul. Naquele momento, eu desejei ser um ladrão. Um bom ladrão, diga-se de passagem. Um ladrão de almas, só para roubá-las de dentro delas e trazê-las para fora e colocá-las uma a uma perto das outras. Só para fazê-las sorrir e dizer qualquer coisa até um muito prazer.