O SORRISO ME AFRONTOU.
ANA MARIA RIBAS.

Alguma coisa no sorriso de Wilma Martins, condenada por sequestrar Pedrinho, me afrontou. E eu não sei direito o que foi essa coisa que me afrontou.

Vi a imagem de relance, e já tinha virado a página virtual, quando nada pude fazer, senão voltar.

Voltei para ver o sorriso da mulher que foi condenada por sequestrar Pedrinho, no exato momento em que ela deixava o Tribunal de Justiça, tendo nas mãos o benefício de liberdade condicional.

A coisa que me afrontou - e que não sei dizer qual coisa foi- fez-me esquecer para onde estaria indo eu, neste vasto universo virtual, no exato momento em que me deparei com o sorriso da mulher que foi condenada por sequestrar Pedrinho, saindo do Tribunal de Justiça, tendo nas mãos a liberdade condicional.

Quando voltei, premida como se pela urgência de avistar uma flor no pântano, recebi bem no meio da cara, o sorriso da mulher que foi condenada por sequestrar Pedrinho, saindo do Tribunal de Justiça, tendo nas mãos o benefício de liberdade condicional. Recebi como quem recebe um ôvo podre, um tomate maduro, uma pedra lançada por um estilingue, em alguma parte bem dolorida do corpo. Que ainda me dói.

Aquele sorriso foi para mim, vocês acreditam? Ela me sorriu tão doce e me disse: "tome é para você". E eu, malcheirosa que sou, não tive a candura necessária para acolher a sorridente dádiva que me fora dada tão repentinamente. Calada estava, calada fiquei, de olhos bem abertos, sem nenhuma razão de ser. Apenas vendo: uma mulher agradável de ser vista; dentes perfeitos, sem cáries aparentes; sobrancelhas definitivas, moldadas em esteticista; unhas pintadas em tons clarinhos, como convém à mão que balança o berço; óculos escuros, não para esconder os olhos, mas para segurar o cabelo como tiara; correntinha com medalhinha de ouro no pescoço; pele bonita, ainda viçosa. E o sorriso.

O sorriso de Madona, levemente indefinido, nunca me afrontou. De nenhuma das Madonas, mesmo daquela que de vez em quando coloca a pontinha da língua para fora, quando sorri. O sorriso de Marta Suplicy, depois do conselho salutar no aeroporto, também nunca me afrontou. Nunca me afrontou também, o sorriso de Paulo Maluf, tão simpático Paulo Maluf.

Mas o sorriso de Wilma Martins me afrontou.

E afrontada fiquei. 

* Imagem copiada do site da UOL.