A VARA DE FABIANA MURER
ANA MARIA RIBAS
A vara de Fabiana Murer sumiu e foi encontrada junto com o material das atletas que haviam sido eliminadas.
Só isso. Não espere de mim elucubrações mentais.
Antes disso, foi varada pra cá e varada pra lá. Ela já chegara a Macau sem o seu tubo de varas, que, por engano, viera na bagagem do técnico.
Só isso. Aqui sou apenas uma repórter a serviço da BBC de Londres.
Depois, em Hong Kong foi tanta varada na balsa que liga Hong Kong a Macau, que os chineses se negaram a embarcar na mesma balsa. Não sei por qual motivo. Só sei assim: "os chineses se negaram a embarcar na balsa."
Minha função é informar - mas pela metade. Quem quiser saber tudo que compre o jornal.
Dessa maneira compreendo, - sem nada compreender de saltos com vara, - que não foi a primeira vez que Fabiana foi afligida pelo excesso ou pela falta de varas.
Aí, meu Deus, lá vou eu de novo?
Não quero me repetir fazendo filosofia com a falta de vara de Fabiana Murer. Eu, que já fiz filosofia com o tombo de Diego Hipólito. Não quero.
Além da filosofia ser pouca, a graça inexistiria, neste dia sem graça. Neste dia em que escrevo apenas para constatar o que já sei. E o que sei, eu que nada sei?
Ah, eu sei que a vida é curta e misteriosa. Que há dias em que se tem o curto da vida, e há outros em que se tem o mistério do misteriosa.
Eu sei que há perdas tão irreparáveis e tão doloridas, que para sentir de novo o gosto de mel só nascendo de novo: como abelha!
Eu sei que o cinza de uma chuva pode acentuar a nostalgia e o brilho do sol pode afrontar a dor.
É porque sei essas coisas que ninguém gosta de saber- e tem raiva de quem sabe - é porque sei essas coisas, que não posso ir embora sem dizer -assim, de curtinho- a Fabiana:
- "sabe, minha filha, não chore por falta de vara. Tão bom me foi o tempo em que não conheci a vara, que não me conformo de vê-la chorando pela falta de vara.
Eu, Ana Maria: um dia, sem vara, saltei milhões de anos para trás, e fui cair em Canaã, bem no colo do patriarca Abraão. Aquele salto, sim! Aquele salto doeu e eu chorei! E choro até hoje, porque nem sei por qual motivo me deram com uma vara invisível e me fizeram cair de costas, para trás.
Não, não é verdade. Hoje, 14 anos depois, eu já sei: eu não mereceria a varada invisível e dolorosa, mas não é por não merecê-la que o universo não a merecesse por mim. Então, escolheram um ponto no universo, e esse ponto, fui eu.
Obrigada meu Deus! Todos os seus motivos são bons e amáveis, ainda que não possamos compreendê-los. E a isso se chama fé. Fé num Deus que nunca falha.
Você, Fabiana: chore não... chore apenas se algum dia, uma vara pontiaguda atravessar a sua alma e se alojar inteira em seu coração. Por essa chore. Mas não por esta que lhe impediu 4,55 x 4,65 m de altura.
Coisinha rasa por demais.
Por falta de varas não lhe faltarão os saltos e que junto com eles, não lhe venham os sobressaltos.
Mas se vierem -que não lhe falte a fé -ainda que lhe falte a vara.
* Imagem colhida do UOL.
ANA MARIA RIBAS
A vara de Fabiana Murer sumiu e foi encontrada junto com o material das atletas que haviam sido eliminadas.
Só isso. Não espere de mim elucubrações mentais.
Antes disso, foi varada pra cá e varada pra lá. Ela já chegara a Macau sem o seu tubo de varas, que, por engano, viera na bagagem do técnico.
Só isso. Aqui sou apenas uma repórter a serviço da BBC de Londres.
Depois, em Hong Kong foi tanta varada na balsa que liga Hong Kong a Macau, que os chineses se negaram a embarcar na mesma balsa. Não sei por qual motivo. Só sei assim: "os chineses se negaram a embarcar na balsa."
Minha função é informar - mas pela metade. Quem quiser saber tudo que compre o jornal.
Dessa maneira compreendo, - sem nada compreender de saltos com vara, - que não foi a primeira vez que Fabiana foi afligida pelo excesso ou pela falta de varas.
Aí, meu Deus, lá vou eu de novo?
Não quero me repetir fazendo filosofia com a falta de vara de Fabiana Murer. Eu, que já fiz filosofia com o tombo de Diego Hipólito. Não quero.
Além da filosofia ser pouca, a graça inexistiria, neste dia sem graça. Neste dia em que escrevo apenas para constatar o que já sei. E o que sei, eu que nada sei?
Ah, eu sei que a vida é curta e misteriosa. Que há dias em que se tem o curto da vida, e há outros em que se tem o mistério do misteriosa.
Eu sei que há perdas tão irreparáveis e tão doloridas, que para sentir de novo o gosto de mel só nascendo de novo: como abelha!
Eu sei que o cinza de uma chuva pode acentuar a nostalgia e o brilho do sol pode afrontar a dor.
É porque sei essas coisas que ninguém gosta de saber- e tem raiva de quem sabe - é porque sei essas coisas, que não posso ir embora sem dizer -assim, de curtinho- a Fabiana:
- "sabe, minha filha, não chore por falta de vara. Tão bom me foi o tempo em que não conheci a vara, que não me conformo de vê-la chorando pela falta de vara.
Eu, Ana Maria: um dia, sem vara, saltei milhões de anos para trás, e fui cair em Canaã, bem no colo do patriarca Abraão. Aquele salto, sim! Aquele salto doeu e eu chorei! E choro até hoje, porque nem sei por qual motivo me deram com uma vara invisível e me fizeram cair de costas, para trás.
Não, não é verdade. Hoje, 14 anos depois, eu já sei: eu não mereceria a varada invisível e dolorosa, mas não é por não merecê-la que o universo não a merecesse por mim. Então, escolheram um ponto no universo, e esse ponto, fui eu.
Obrigada meu Deus! Todos os seus motivos são bons e amáveis, ainda que não possamos compreendê-los. E a isso se chama fé. Fé num Deus que nunca falha.
Você, Fabiana: chore não... chore apenas se algum dia, uma vara pontiaguda atravessar a sua alma e se alojar inteira em seu coração. Por essa chore. Mas não por esta que lhe impediu 4,55 x 4,65 m de altura.
Coisinha rasa por demais.
Por falta de varas não lhe faltarão os saltos e que junto com eles, não lhe venham os sobressaltos.
Mas se vierem -que não lhe falte a fé -ainda que lhe falte a vara.
* Imagem colhida do UOL.