SEM VARA, MAS COM AGULHA.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI 

Não sei se, por efeito dos cartões, que alguns amigos distribuiram,  e com certeza,   por obra e graça de Deus, os limites do meu site ultrapassaram as fronteiras do Recanto. Outros leitores,  além dessa turma tarada por literatura,  têm-me acessado.

  As estatisticas registram que o site está sendo  favoritado, e que o acesso tem-se dado por diferentes portas de entrada. Esta é uma alegria, pela qual eu louvo a Deus. Ele é o responsável. Mas é também um susto profundo, a cada manhã.  

Leitor é exigente e tem fome. Para cada fome, o paladar exige um sabor. Para cada sabor, uma nuance de sal a mais, ou de pimenta a menos. Para cada estômago, a sensibilidade mais ou menos exacerbada, requer um cuidado maior ou menor. Alguns são alérgicos a determinados tipos de condimentos.  E a digestão? Quando não cai bem, reclamam, e a conta sou eu quem pago. 

Quero confessar uma coisa a você: Eu me esforço - todo dia eu me esforço, - mas  ainda não consigo entender o meu leitor. E essa é uma grave deficiência em um pretenso escritor.  Faço um texto profundo e abstrato como " Amanhece o dia em Corinto" mas ele prefere a "A vara de Fabiana Murer". 

Não é todo dia que F. M. tem a sua vara perdida, além de que, já se sabe, que a  vara  foi encontrada; a concretude da vara de F. M. faz com que ela seja apenas isso: uma vara. Fiz o que pude para que você não ficasse, apenas, com a vara;  mas as reflexões que  acompanham o  amanhecer do dia em Corinto são renováveis, sem esforço. Sou capaz de chorar -de novo- a cada vez que leio o texto. Sim, eu choro. Às vezes, quando escrevo para você, eu choro.
 
Neste duro ofício, tenho procurado colocar subjetividade em tudo o que é objetivo. Escrevi  "A saga da bota". Quando lhe trouxe a bota,  procurei trazê-la embrulhada comigo mesma e com as pessoas que compram botas. A bota é só um detalhe: o que conta é o entrelaçamento entre a realidade e a tensão interna, entre o de fora e o de dentro. Essa realidade, apenas pressentida, é a que transparece nos meus textos. Busco as vísceras e  enquanto não brota o sangue do abstrato, não lhe entrego o concreto.  Afinal, não precisamos ser tão rasos, não é verdade?  

-Mãe, mas você conta tudo? Perguntou-me a Silvia, levemente preocupada?
- Claro que não, minha filha. Sou muito mais profunda. Isso aqui é apenas a décima parte da minha profundidade - brinco com ela.

A décima parte que quase ninguém revela, mas que eu faço questão de revelar. A cada dia mais.  Se estou me escrevendo, não seria para que fosse completamente lida?  

Enquanto estiver por aqui quero servir de espelho. Mesmo que seja para que você diga: "que mulher feia, eu sou muito mais bonito(a)! Saiba, pois, que a se a sua beleza for revelada através da minha incipiente feeldade, terei atingido o meu objetivo. 

O meu objetivo é fazer do homem, um Reinaldo Gianechini e da mulher, uma Gisele Bundchen. Ambos de uma beleza subjetivada - aquela que só poucos vêem, mas quando vêem,  para além das aparências, se encantam.

Percorro os textos mais  antigos: lá atrás, sob as cinzas do vesúvio, filhos que me nasceram em dores de parto.   Poucos leram, mas, não, por minha culpa. Eu dei o sangue, o sangue que sempre lhes dou. O que faltou foi o título. Um título que chamasse a sua atenção. 

Está aí outra coisa que não faço: apelar para títulos chamativos a fim de lhe atrair, como se atrai uma mosca, com carne mal passada. Não faço mesmo. Quer ler, leia!  Não quer ler, não leia!  Azar o seu, e tristeza  a minha: mas é uma tristeza acostumada.

 Meus títulos serão sempre coerentes com o sentimento que estou vivendo e não com o que um marqueteiro  exigiria.  Excessão foi a vara de F.M. porque essa não tinha outro jeito mesmo. Difícil missão fazer da vara uma abstração titulativa.

Logo que criei o site, escrevi durante alguns dias, e em seguida, o entreguei às moscas. Uma característica da minha personalidade irrequieta: começo a todo vapor, e depois me sobrevêm uma canseira, uma sensação de total inutilidade. Para que serve escrever? O mundo ficará melhor ou pior sem a minha verve escriturística? Perguntas difíceis de serem respondidas e que me dão um sono...!  

Logo que me vem o sono,  vou dormir. Encerro no sono,  o sonho e o  sentimento. A escritora dorme e surge então, uma nova mulher. Nova, mas com séculos de infinita amargura. Que sei eu fazer a não ser escrever? Mas se estou rebelada, não escrevo.

Um dia, quando resolvo voltar a escrever, e liberar os textos represados, não  lembro mais da senha.

 Da última vez, foi assim:  Minha memória falhava, e ajuntando a insegurança de voltar - quero? não quero? -   com a trabalheira de recuperar a senha, deixei a vontade passar e fui fazer tricô.
 
Esqueci de contar: Faço tricô divinamente! Com a mesma compulsão com que escrevo. Quando estou na fase tricoteira, minha produção é uma blusa a cada três ou quatro dias.  Dessa última vez,  fazendo tricô, como uma máquina veloz, lembrei-me da senha. Que coisa aquela! Veio do nada, como que soprada por voz divina.
 
O resultado? Obedeci à voz. Era a voz interna de Deus. As blusas estão  aí, ( faço duas ao mesmo tempo!),  pela metade, esquecidas para sempre, para sempre  até que a escritora durma e a tricoteira acorde. 

As blusas esperam. Meus leitores morrem. A cada dia, quantos leitores morrem no mundo? Já tenho na Espanha, vivíssimo,  Antonio Gil. Vida longa para ti, nobre caudilho de alma poética. Obrigada pela poesia com que me distinguiu.

Ao retornar ao recanto, obtive uma recepção que não esperava. E por causa dessas coisas que acabei de narrar,  eu me ponho de joelhos perante o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo e peço a Ele, todos os dias, que me faça entender o meu leitor, e ser entendida por ele. E que, em nos entendendo mutuamente, Deus também se entenda conosco, e participe ativamente do nosso entendimento.

Você pode não acreditar, mas a cada manhã, antes de começar a escrever é isso que faço: faço uma oração por mim e por você, para que a osmose  momentânea,  que apenas cintila por um breve momento, resulte na eternidade de  DEUS!

Você, além de me ser tão contraditório, tão exigente e tão importante, ainda é alvo das minhas orações e do amor de Deus. E também do meu. Que faria eu sem a sua leiturinha básica? Pelo menos até que escritora durma, leia o que quiser, mas não me deixe. 

As blusas lá em cima foram da última fase tricoteira. Estavam sendo feitas por mim  e as fotografei para você. Não adianta: não aceito encomendas.  

Só espero que você não me diga:  "como  escritora você é uma ótima tricoteira."  Porque aí seria pra acabar.