O Cachecol e a Nuvem

Bom dia. Hoje é mais um dia de sol, o que me faz acreditar que é verão. Ontem eu saí de cachecol, mas hoje dá praia. Neste dia, onze de agosto, não sei a gosto de quem o tempo se dobra. Não faço idéia em qual estação me encontro. Saio de casaco, volto de bermudão de praia. E se por algum acaso comum eu for à praia, o que é raro, chove canivetes. Está tudo bem, eu nunca saio sem meu guarda-chuva de verão.

Voltando ao bom dia, hoje o sol estupra as janelas do meu escritório, mas ainda estou de casaco. São exatamente nove horas da manhã, e enquanto meu trabalho estagna, eu tento escrever e entender o tempo. E eu sei que vai chover, sei sim. Não por um teor meteorológico de meu espírito irrequieto, mas porque a chuva é uma coisa, hoje, tão caótica quanto uma hipótese. Então eu, hipoteticamente, sei que vai chover. E geralmente, quando vai chover, subitamente o céu claro se enche de nuvens negras e cai um pau de chuva enorme em nossas cabeças. A chuva desce tão nervosa que até dói o corpo quando as gotas batem em nossas cabeças. Chuva é um negócio violento. E mais além, a chuva me é um negócio nostálgico...

Quando eu era criança, eu imaginava que a chuva nada mais era do que São Pedro lavando o pátio do céu. Não caía tudo num balde só porque o pátio era enorme, e São Pedro mantinha uma peneira, uma espécie de escumadeira gigante, em baixo do céu para fazer toda a água cair em gotas. E era por isso que a água da chuva tinha um gosto diferente, um cheiro diferente, além de ser sempre tão boa pro cabelo. Dizem que água não tem gosto, não tem cheiro. Sempre discordei, água tem gosto d’água, cheiro d’água. Não é salgada nem doce, não é amarga nem azeda... é mais pra gosto d’água. A gente costuma ignorar as coisas que não entende, ou, no caso, não sabe o nome do gosto. E se água tinha gosto de água, chuva tinha gosto de chuva, que embora fosse também água, era água de chuva. Um gosto que me deixava curioso e de boca aberta debaixo do temporal. Sentia aquele gosto, provava aquele cheiro, e me perguntava o que deveria ser, o que tornaria a água de chuva diferente da água de água mesmo...

E esse gosto, esse cheiro... sabão! Isso explicava, para minha fantástica infância, porque a água de chuva deixava o cabelo macio e sedoso: era tudo sabão do céu, xampu divino, que não fazia espuma, porque espuma era uma coisa que era do homem, suja. No céu é tudo limpo, tudo bonito, tudo cheiroso. Não havia necessidade de espuma, era só passar aquele sabão na água, passar a água no chão e ficava tudo bem. E eu fui crescendo, acreditando piamente nessa teoria, que se não fosse a escola, eu ainda defenderia até hoje. E mesmo assim, quando a tia me explicou que a chuva era água reciclada, que evaporava daqui das poças e ia lá pro céu, ainda fiquei pensando se não era Deus quem purificava essas águas.

Daí que eu acabei gostando de chuva. E quando chovia, eu ficava, talvez ainda fique, olhando o céu, tentando ver São Pedro fazer a lavagem. E de vez em quando ainda dou uma lambida no toró para provar aquele gostinho de tempo chuvoso.

Já uma outra teoria, essa não era minha, alguém me contou, em minha tenra idade, que a chuva nada mais era do que São Pedro (ele de novo) chorando! Não acreditei muito, porque só de imaginar São Pedro chorando já tendia minha infância para o ateísmo. Se bem que, se nossas experiências infantis realmente refletissem nossos egos futuros, eu seria mais religioso, ou talvez meteorologista. Acabei sentado em minha cadeira do escritório, e enquanto teorizando se vai chover hoje ou não, nem sei em que estação me encontro. Não há como saber.

Pois bem, no final a chuva é um processo natural que acontece quando a água dos rios, lagos e mares evapora e sobe até as nuvens, onde vira gotas e cai: chuva. E olha que eu comecei falando do sol. Porque quando esquenta muito, sempre chove. Ou não. Não faço a mínima idéia.

Mas hoje eu acho que vai chover. Vou preparar meu cachecol.

Gustavo Alvaro
Enviado por Gustavo Alvaro em 21/08/2008
Código do texto: T1138717
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